Casos de autismo: A importância do Diagnóstico e a Estimulação Precoce. Maria Alice Fontes

Uma das bandeiras do Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo, celebrado na última terça-feira (02/04), é a criação de uma sociedade mais inclusiva e acolhedora. Embora haja avanços na compreensão e no tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA), há muito ainda para se evoluir, especialmente, para que a sociedade possa compreender e se relacionar melhor com quem apresenta esta condição.

O TEA afeta uma a cada 100 crianças. Aproximadamente 70 milhões de pessoas vivem com essa condição, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Trata-se de um transtorno do neurodesenvolvimento humano caracterizado por dificuldades na comunicação, interação social e a presença de comportamentos repetitivos e interesses restritos. É comum também a alta sensibilidade sensorial, dificultando a maneira como os indivíduos afetados percebem e interagem com o mundo ao seu redor.

Número de alunos autistas matriculados nas escolas do Brasil cresceu 48%

De 2022 a 2023, o número de crianças e adolescentes com TEA matriculados em salas de aula comuns, ou seja, junto com alunos sem deficiência, aumentou 48% no Brasil: saltando de 405.056 para 607.144, segundo dados do Censo de Educação Básica.

A presença desse grupo nas escolas vem crescendo a um ritmo acelerado, como é possível observar no gráfico abaixo. Em 2017, o total de alunos com TEA em escolas públicas e privadas não chegava nem a 100 mil, mostra o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Agora, de um ano para outro, surgiram 200 mil novas matrículas.

De maneira geral, os especialistas consideram que a contribuição dos fatores genéticos esteja ao redor de 90%, sobrando para o ambiente apenas 10% da responsabilidade quanto ao crescimento na prevalência do autismo. É algo que acontece com muitas doenças psiquiátricas, não há um gene específico que leve ao quadro, mas diversas combinações deles. 

Usando modelos organóides, conhecidos como “minicérebros”, a Mayo Clinic e pesquisadores da Universidade de Yale descobriram que as raízes do transtorno do espectro autista (TEA) podem estar associadas com um desequilíbrio de neurônios específicos que exercem uma função crítica na forma como o cérebro se comunica e funciona. As células específicas são conhecidas como neurônios corticais excitatórios. O estudo foi publicado na revista científica Nature Neuroscience.

De acordo com o relatório do CDC (Centers for Diseases Control and Prevention), publicado em março de 2023, 1 em cada 36 crianças aos 8 anos de idade é diagnosticada com TEA. 

Se extrapolarmos estes números para o Brasil, podemos estimar que com uma população de 203.080.756, segundo o Censo 2022, teríamos cerca de 5.641.132 autistas no país. Esse número representa um aumento de 22% em relação ao estudo anterior, feito em 2018 e que estimava que 1 em cada 44 crianças apresentava TEA naquele ano.

É importante esclarecer que não há evidências científicas sólidas que sustentem um aumento global significativo na prevalência do autismo. No entanto, ao longo das últimas décadas, tem havido um aumento aparente no número de casos diagnosticados de autismo em todo o mundo. Esse aumento pode ser atribuído a uma série de fatores, incluindo:

1. Maior Conscientização e Diagnóstico: Houve um aumento significativo na conscientização pública sobre o autismo e uma melhoria na capacidade dos profissionais de saúde para diagnosticá-lo. Isso levou a uma detecção mais precoce e a um aumento no número de casos diagnosticados.

2. Mudanças nos Critérios de Diagnóstico: As mudanças nos critérios de diagnóstico do autismo, especialmente com a introdução do DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição), podem ter ampliado a definição do transtorno e levado a um aumento nos diagnósticos.

3. Fatores Ambientais e Genéticos: Alguns estudos sugeriram que fatores ambientais e genéticos podem estar contribuindo para um aumento real na incidência de autismo em algumas populações. No entanto, a pesquisa sobre esses fatores ainda é inconclusiva e requer mais investigação.

4. Acesso a Serviços de Saúde: Melhorias no acesso a serviços de saúde, especialmente em países em desenvolvimento, podem estar permitindo que mais crianças sejam diagnosticadas e recebam apoio para o autismo.

5. Maior Aceitação e Aceitação de Diferenças: Mudanças na sociedade em relação à aceitação das diferenças e ao reconhecimento dos direitos das pessoas com autismo podem estar levando mais famílias a buscar um diagnóstico para seus filhos.

Embora o aumento no número de casos diagnosticados de autismo seja evidente, não está claro até que ponto isso representa um aumento real na incidência do transtorno ou a mudanças nos critérios de diagnóstico e aumento na conscientização. Pesquisas continuam a ser realizadas para entender melhor a verdadeira natureza desse fenômeno.

Diagnóstico e a Estimulação Precoce

As ciências que estudam o autismo ao longo do tempo seguem longe de determinar um consenso sobre a causa do transtorno. O que se sabe, no entanto, é que existe uma série de modificações neurológicas por trás dos comportamentos. Por isso, é válido dizer que o cérebro de um autista funciona diferente. 

Logo, não há, também, um tratamento padrão. Os tratamentos multidisciplinares costumam ser mais eficazes pois tratam cada dificuldade de forma individual. Quanto mais cedo se inicia o processo de estimulação da linguagem e da interação social, maior a probabilidade de amenizar os sintomas característicos, reduzir excessos comportamentais, proporcionar melhor qualidade de vida para o próprio indivíduo e para aqueles que convivem diretamente com as dificuldades. 

As principais intervenções atuais são baseadas na estimulação comportamental intensiva precoce, também chamada de EIBI (sigla em inglês para Early Intensive Behavioral Intervention). O que se acredita hoje é que a intervenção será eficaz se for precoce, intensiva e de longo prazo.

O início do quadro se dá nos primeiros anos de vida, podendo se apresentar com atraso na aquisição dos marcos de desenvolvimento social, sendo que o atraso de fala tende a ser a primeira preocupação dos pais. Em aproximadamente 30%, ocorre uma regressão no segundo ano de vida, com perda de marcos já adquiridos, como a fala, o brincar funcional, diminuição de interesse por sociabilização e início de comportamentos repetitivos.

As crianças certamente podem progredir em idades maiores, mas a taxa de ganho pode ser mais lenta. Quanto mais os atrasos ficam sem solução, maior o risco da criança de desenvolver comportamentos desafiadores para compensar as habilidades de comunicação mais funcionais limitadas (por exemplo, agressão, autolesão, colapsos comportamentais), resultando em um aumento da necessidade de intervenções adicionais.

A estimulação precoce, no entanto, é um dos pilares para o aprendizado de crianças com sinais de atraso no desenvolvimento, como o autismo. Por meio dela, profissionais capacitados e a família podem estimular a criança de modo a trabalhar habilidades ainda não adquiridas e evitar que esse atraso se transforme em mais dificuldades ainda no futuro. 

Muitas das habilidades podem ser aprendidas e desenvolvidas. A socialização e a integração social, além da cognição, linguagem e habilidades motoras são alguns exemplos que podem ser aprendidos e desenvolvidos.

Isso sempre aproveitando a neuroplasticidade do cérebro infantil para criar esses momentos de aprendizagem contínuo e garantir estímulos corretos e direcionados durante o crescimento.

A neuroplasticidade ocorre durante toda a vida, sendo mais intensa nos primeiros anos de vida do indivíduo. Por isso a importância da intervenção precoce. Para quem está no espectro a neuroplasticidade significa a possibilidade de desenvolver e aperfeiçoar as suas habilidades por meio das experiências vividas.

Por isso, a estimulação dos neurônios por meio da intervenção precoce contribui com a melhora nos processos de reabilitação e otimização de resultados funcionais do cérebro de quem está no espectro.

Sendo assim, o diagnóstico precoce é considerado fundamental para quem está no TEA. Quanto mais cedo são introduzidas novas práticas e rotinas terapêuticas capazes de estimular o funcionamento do cérebro, mais os neurônios podem ser treinados a superar as limitações decorrentes do Transtorno.

Colaboração: Mônica Merlini

Fontes:

American Psychiatric Association. (2014). DSM-V: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais.

https://lp.genialcare.com.br/retratos-do-autismo-2023

https://www.nature.com/articles/s41586-023-06473-y

https://www.nature.com/articles/s41593-023-01259-x