Entrevista sobre aprendizagem: qual o papel do dever de casa? Andreia S. de Souza, Simone Sanches, Maria Alice Fontes

Nos últimos tempos pós pandemia, uma polêmica tem deixado dúvidas nos pais: o dever de casa é bom ou é ruim? Qual a origem e propósito dele? 

O dever de casa pode ser bom ou ruim. Bom, se estiver interligado  aos conteúdos abordados em sala de aula, atualidades e fizer sentido ao educando e ruim quando está desconectado aos assuntos estudados e não “oferece” sentido algum ao estudante. 

A lição de casa surgiu nos Estados Unidos, nos anos 30, como parte integrante de um método de ensino para estudantes da zona rural. 

A tarefa de casa possui uma função pedagógica importante. Além de ensinar a criança a construir uma relação de responsabilidade e autonomia, favorece o hábito do estudo. Entretanto, para que a lição de casa atinja esse objetivo, cabe ao professor orientar a criança detalhadamente para que tenha êxito ao executá-la.

Os conflitos quanto à lição de casa aparecem quando os pais acham que os filhos trazem lições em demasia. A cena é comum, pais de um lado se queixando de não dispor de tempo para ajudar o filho e do outro lado a criança que às vezes não se lembra de fazer a lição ou não consegue desempenhá-la sem a supervisão de um adulto.

A pandemia reforçou a ideia de “punição” do dever de casa? Por que isso aconteceu? 

O peso com as tarefas de casa nos acompanha desde o começo do século passado. Foi lá que nasceu a péssima relação desse dever com punição. “Vocês não se comportaram, então vou dobrar a lição de casa de todos”, costumavam sentenciar os professores. O mundo mudou, mas o mal-estar continua – e a necessidade do momento de lição de casa também. O cérebro precisa de um tempo para assimilar individualmente o que foi aprendido em sala de aula. Embora o tema esteja na lista de reclamações há tanto tempo, a vida em sociedade hoje complica um pouco mais a história. De um lado, pais que, na maioria, trabalham fora e contam nos dedos as horas por dia que conseguem ficar com os filhos. De outro, crianças mais ágeis e com uma sede de aprender que tem origem – ou estímulos – em outras formas. Para elas, a lição de casa, decididamente, não pode ser como antigamente.

Os pais, em sua grande maioria, não são especialistas em educação e tiveram dificuldades em orientar os estudantes com a mesma didática que a escola, por desconhecimento dos métodos utilizados ou por sobrecarga de trabalho e stress que esse período de pandemia gerou. As aulas no formato online foram desafiadoras para os estudantes, gerando perda de foco e aumento da sobrecarga mental que o uso excessivo da tecnologia causou, diminuindo dessa forma, o entusiasmo em realizar as atividades oferecidas como dever de casa.

As escolas devem diminuir ou acabar com o dever de casa? Por quê? 

Acreditamos em dever de casa como algo significativo e ele deveria ser bem aproveitado. Mas o que dá prazer para um, não dá prazer ao outro. Sob essa ótica de fazer sentido ao estudante, os deveres poderiam ser diferenciados de acordo com as disciplinas estudadas e cada aluno poderia ter a liberdade de escolher o tema e o estilo do dever de casa que lhe fizesse mais sentido e compartilhar com os colegas a sua produção por meio de um mural, exposição oral ou em formato digital. Não acreditamos que as lições de casa devem ser eliminadas e sim, reformuladas. 

Alguns educadores defendem que essa é uma das formas da criança fixar o conteúdo e também do professor saber o que ele aprendeu ou não. Faz sentido? Por quê?

Os educadores estão sempre sobrecarregados com planos de ensino, apostilas, livros didáticos, projetos, famílias desestruturadas entre tantas outras demandas.  Todos sentem-se no direito de opinar sobre o trabalho do especialista em educação.  As escolas competem entre si sobre qual delas tem o ensino “mais forte” e muitas vezes cobram dos educadores os deveres de casa diários. Enfim, acredito que alguns conteúdos depois de compreendidos precisam de treino para serem memorizados. No caso das tabuadas, por exemplo, se não houver a compreensão do que são as tabuadas e o treino delas, esse conteúdo não será memorizado. 

A verificação da aprendizagem não se dá pela conferência da realização da lição de casa. Os alunos com dificuldades, se tiverem o auxílio de um adulto na realização das tarefas, podem entregar o dever todo correto (muitas vezes depois de muitos conflitos familiares) e essa lição não prova se realmente o conteúdo foi internalizado pelo estudante.

E mesmo os alunos sem dificuldades, muitas vezes ficam com a relação parental prejudicada, pois não querem realizar o dever de casa e ficam jogando videogame ou mexendo no celular muito mais tempo do que deveriam, não seguindo as orientações dos familiares em relação às entregas dos deveres enviados pelo colégio.

A lição adequada propicia desafios ao aluno e oferece oportunidade de autoconhecimento e reflexão à medida que apresenta uma análise da própria aprendizagem. As atividades propostas devem ser moderadas em quantidade, detentoras de qualidade e permitir que o aluno reflita sobre o seu próprio conhecimento e a sua aprendizagem.

Os trabalhos de casa serão sempre necessários, poderão ser menos numerosos, mais objetivos, mais acessíveis, mas é necessário que haja alguns para desenvolver nos alunos a autonomia e a responsabilidade, bem como o sentido de organização, o interesse em aprofundar os seus conhecimentos e o gosto pelo trabalho pessoal. 

 

Quais mudanças devem acontecer nas escolas para estar de acordo com essa geração? Hoje, quais os fatores que mais atrapalham o desenvolvimento das crianças? 

Acreditamos que as escolas podem elencar os conteúdos oferecidos nos livros didáticos e apostilas, priorizando a qualidade do ensino no lugar da quantidade de conteúdos. Os alunos do Ensino Fundamental I, precisam sair lendo e compreendendo bem os assuntos lidos (inclusive situações-problema),  além de  adquirirem habilidades para argumentar e questionar os assuntos do mundo. Em Matemática,  precisam realizar cálculos mentais e operações  com êxito.

A lição de casa não precisa ser diária, muitas escolas funcionam em período integral e os estudantes precisam de tempo para realizar esportes, brincar ou conviver com os familiares e amigos.

Com certeza, um dos fatores que mais atrapalham o desenvolvimento das crianças é o tempo excessivo de telas e recursos tecnológicos em geral e a diminuição do convívio social entre pares.

O professor tem, na lição de casa, uma ferramenta que lhe permite levantar as dificuldades e facilidades encontradas pelos alunos e pode, através deste levantamento, adequar atividades e estratégias, reforçar conteúdos e fazer um acompanhamento individualizado. É necessário que estas atividades sejam interessantes e conectem as necessidades do aluno com seu desejo de aprender e conhecer.

A lição de casa pode ser um sinalizador da aprendizagem do aluno para o professor sobre as estratégias que possibilitam resultados apropriados, o que precisa ser repensado e quais são as reais dificuldades encontradas. Para que a prática cumpra tais objetivos torna-se imperativo que a lição seja feita pela criança.

 

Qual o papel dos pais nessa relação da criança com o aprendizado, a forma de aprender e a escola?

Os pais devem auxiliar os filhos na organização do tempo: é essencial que além das horas de sono necessárias de acordo com a idade do estudante, haja um horário fixo reservado para estudar. Se não houver lição de casa, pode ser uma leitura, releitura de algum assunto estudado ou execução de um trabalho/projeto que a data de entrega ainda esteja distante. Assim, as demais atividades são organizadas de modo que o estudo não seja prejudicado ou fique em segundo plano: “se der tempo, eu estudo”. Para estabelecer a rotina de estudos, é importante levar em conta o período em que o estudante está mais disposto, menos cansado e a idade do estudante também é um fator muito importante a ser levado em consideração.

Nos Estados Unidos, a Associação Nacional Americana recomenda que o tempo de estudo em casa não ultrapasse os dez minutos no primeiro ano, por exemplo. “O ideal é que comece a ter certa intensidade a partir do segundo, que pode exigir meia hora, depois, 40 minutos, a partir do terceiro, e assim por diante. 

O ambiente de estudo precisa ser organizado, com o mínimo de interferência possível, para que o estudante mantenha a concentração e o tempo dedicado a estudar seja, de fato, produtivo.

 

Ajudar os filhos a criar uma rotina de estudos, determinando horários para a realização das tarefas e equilibrar isso com momentos de lazer. Vale lembrar, também, da importância de um local iluminado, silencioso e com espaço para a criança dispor os materiais necessários para estudar.

Outras orientações para os pais auxiliarem os filhos na lição de casa: 

  1. Acompanhe sem interferir

Ao notar que os filhos cometeram um erro, apenas sugira que eles revejam o material de estudo, as anotações feitas ou releiam o livro com o conteúdo. Eles mesmos precisam detectar suas falhas. Mas se ainda sim, isso não acontecer, diga a eles para expor essa dúvida ao professor

  1. Não castigue os filhos por uma tarefa não feita

Críticas, castigos e ameaças nunca foram incentivos. Ao contrário, essas atitudes tornam os filhos ainda mais inseguros e tensos com os estudos. Faça elogios às suas produções, esforço e capricho com que executaram uma tarefa. 

  1. Faça com que eles se interessem por estudar em casa

Demonstre interesse de como foi o dia na escola e o que eles estão aprendendo. Uma dica para incentivá-los é fazer comentários sobre os conteúdos e contar suas próprias experiências relacionadas ao tema, quando isso for possível.