Uso excessivo de smartphone: quais os riscos que as crianças estão correndo? Daniela Aguilera Moura Antonio, Maria Alice Fontes

Cada dia mais cedo, assistimos crianças passando horas com seu novo “melhor amigo”. Com seus polegares rápidos deslizando no touch screen, fica difícil competir e parece não existir nada mais importante no mundo do que a internet. Quais devem ser os limites aceitáveis para essa relação?

Este assunto vem sendo amplamente discutido por profissionais especializados frente à onda tecnológica que cobriu o mundo. Dados de estudos internacionais mostram que os pais estão fornecendo smartphones para crianças cada vez mais cedo e esse assunto tem se tornado significativamente relevante a ser discutido.

A médica Delaney Ruston viu isso com seus próprios filhos e resolveu estudar o assunto. Ela identificou que crianças passam em média seis horas e meia por dia nas telas e adolescentes podem ficar até 11 horas por dia quando já estão muito viciados. Ela se perguntou sobre o impacto de todo esse tempo no dia a dia e no desenvolvimento das crianças. Em seu documentário SCREENAGERS, que recebeu vários prêmios no mundo, Delaney aborda sua visão pessoal, além de apresentar pesquisas sobre o uso de tecnologia na vida familiar, a exposição às mídias sociais e videogames analisando todos os vícios da internet. Através de histórias penetrantes, juntamente com informações surpreendentes de especialistas, psicólogos e neurocientistas, SCREENAGERS revela como o tempo de exposição à tecnologia afeta o desenvolvimento das crianças. Dentro deste contexto, ela oferece soluções sobre como os adultos podem capacitar as crianças a navegar melhor o mundo digital e encontrar um equilíbrio.

Estudos recentes (King DL, Delfabbro PH, 2014) indicam que os indivíduos que iniciam o uso da Internet em idade precoce apresentam um risco aumentado de dependência em geral. Esses achados sugerem que o lobo pré frontal, responsável pelas funções de controle, planejamento, sustentação atencional, entre outras parece ficar disfuncional nos jovens que são viciados em internet. Considerando o papel preponderante do lobo pré-frontal no sistema de recompensa e auto-regulação, as pesquisas apontam evidências que estamos diante de um vício comportamental que precisa ser controlado (Meng Y et al, 2014).

Outro fator importante a ser considerado além da dependência à internet é a autoestima da criança ou adolescente (Beard CL, 2017). Este aspecto psicológico nos parece muito relevante, pois com o uso continuado dos jogos, a auto estima parece ficar centrada apenas nas competências em relação ao jogo na Internet. Ou seja, ele seria o principal meio de sentir orgulho ou competência pessoal; além da crença de que sentimentos positivos podem apenas ser obtidos de forma exclusiva ao jogar na Internet. Os sentimentos negativos tenderão a acompanhar um período de ausência ou cessação do uso de jogos na Internet. Algumas crianças e adolescentes desenvolvem uma crença de que as pessoas só conseguem um senso pessoal de controle e autonomia enquanto estão conectados à Internet. Isso acaba desencadeando sentimentos de intolerância à incerteza ou imprevisibilidade do mundo real. Com a crença sobre a vulnerabilidade ou a percepção de que alguém só pode se sentir seguro no mundo on-line, segue-se a percepção que o mundo é intrinsecamente inseguro, deixando as crianças e adolescentes vulneráveis e com a crença que a realização pessoal seria considerada inalcançável no mundo real.

Este preocupante fenômeno que estamos vendo se alastrar na sociedade precisa de iniciativas de regulação. A Academia Americana de Pediatria (AAP) atualizou as recomendações de tempo de telas para crianças que até então, tinha uma recomendação única e rígida: antes dos 2 anos, zero contato com as telas. Depois dessa idade, no máximo duas horas diárias. No entanto, perceberam que, no mundo conectado em que vivemos atualmente, essa meta estava muito distante da realidade. As novas recomendações indicam:

Bebês: nenhuma exposição diária às telas.

2 a 5 anos: uso limitado a uma hora por dia, de programação apropriada a idade e de qualidade.

6 anos e mais: cabe aos pais determinarem a quantidade de tempo com base nas recomendações gerais, mas sempre com monitoramento dos conteúdos a que a criança tem acesso.

Ainda sim, a AAP recomenda que os pais priorizem atividades criativas e brincadeiras que promovam a interação, longe dos eletrônicos.

Um grupo de estudiosos nos Estados Unidos divulgou recentemente um projeto que prevê uma regulamentação para se espere até o 8º ano escolar para ter um celular smartphone. Este projeto é chamado “Wait Until 8th”. Ele tem como objetivo capacitar os pais a atrasar a entrega de um smartphone até pelo menos o 8º ano escolar. A iniciativa acredita que união dos pais poderá diminuir a pressão das crianças, pois isso seria uma recomendação que iria além da própria família e englobaria a sociedade como um todo. Os pais sentem-se impotentes nesta batalha árdua e precisam de apoio da comunidade para atrasar a presença em constante evolução do smartphone na sala de aula, em ambientes sociais e na mesa de jantar familiar. Para incentivar o apoio entre os pais, a iniciativa vem sendo divulgada através de um site: www.waituntil8th.org.

Outra iniciativa, também nos Estados Unidos, que vem sendo discutida é de um grupo sem fins lucrativos no Colorado chamado Parents Against Underage Smartphones (PAUS) – Pais contra smartphones para menores de idade. O PAUS vem trabalhando em uma iniciativa mais radical que envolvem o estabelecimento de leis para proibir a venda de smartphones para crianças com menos de 13 anos. Neste projeto, se crianças ou adultos tentam comprar um smartphone, a loja precisaria perguntar para quem é o telefone. Caso tenha algum indício de que será de propriedade de uma pessoa com menos de 13 anos de idade, o estabelecimento não teria a permissão para vender o produto para aquele adulto. O PAUS começará a coletar esse mês cerca de 100 mil assinaturas físicas necessárias para obter essa votação no outono de 2018.

Por quê esperar?

Na verdade, estas iniciativas são baseada em uma lista longa de razões pelas quais os pais estão dizendo não ao smartphone durante a infância de seus filhos, e são sustentadas por estudos recentes das neurociências e desenvolvimento infantil, que todos os pais precisam ter conhecimento, tais como:

1 – SMARTPHONES SÃO VICIANTES

Uma nova pesquisa mostra que a dependência do seu smartphone pode produzir algumas das mesmas respostas aditivas do cérebro, semelhantes aos vícios de álcool, drogas e jogos de azar. Os smartphones são como máquinas caça-níqueis no bolso de seus filhos constantemente persuadindo-os a desejar mais. A indústria de tecnologia planeja intencionalmente aplicativos de smartphones e mídias sociais para que as pessoas usem por longos períodos de tempo os aplicativos, pois é assim que eles ganham seu dinheiro.

2 – SMARTPHONES SÃO UMA DISTRAÇÃO ACADÊMICA

Os anos de ensino fundamental e médio estabelecem as bases para o sucesso acadêmico do seu filho. Nessas fases, as crianças aprendem a gerir seu tempo para os projetos e a lição de casa de forma produtiva. Manter uma distração constante com um smartphone abre caminho para um baixo rendimento acadêmico. Os estudos mostram que depois que uma criança recebe um smartphone, as notas da criança provavelmente serão reduzidas. Outro estudo descobriu que crianças que frequentam escolas com proibições de smartphones tem melhor desempenho nos testes.

3 – SMARTPHONES PREJUDICAM O SONO

Estudos mostram que o uso de smartphones e outros dispositivos portáteis com telas, afetam a quantidade e a qualidade do sono em crianças e adolescentes. Os adolescentes provavelmente ficam inquietos porque ficam esperando receber textos e mensagens de mídia social de amigos, o que afeta sua rotina noturna. Algumas crianças até acordam no meio da noite para verificar textos ou mídias sociais. O distúrbio do sono na infância é conhecido por ter efeitos adversos na saúde, incluindo dieta mal balanceada, obesidade, sistema imunológico enfraquecido, crescimento atrofiado e problemas de saúde mental.

4 – SMARTPHONES INTERFEREM NAS RELAÇÕES

Muitos pais se arrependem de permitir que seus filhos tenham um smartphone porque percebem a maneira como o smartphone é destrutivo para os relacionamentos. A relação pai-filho sofre. As crianças diminuem o tempo de relacionamento presencial com seus pais e familiares, assim os conatos cara a cara diminuem à medida que as crianças usam seu tempo e energia para investir em suas “amizades” online.

5 – SMARTPHONES AUMENTAM O RISCO DE ANSIEDADE E DEPRESSÃO

As crianças em idade precoce não estão emocionalmente preparadas para navegar por algumas dificuldades encontradas nas mídias sociais. Ver todos os destaques das outras pessoas nas mídias sociais muitas vezes levam os jovens a pensar que não são suficientes ou relevantes em comparação com seus pares. A pesquisa mostra que quanto mais tempo alguém usa as mídias sociais, maior a probabilidade delas ficarem deprimidas. Além disso, quando as crianças abusam da tecnologia, a estimulação constante do cérebro faz com que o hormônio cortisol aumente. Muito cortisol pode inibir uma criança se sentir calma. A perda de tranquilidade pode levar a ondas de ansiedade.

6 – SMARTPHONES COLOCA A CRIANÇA EM RISCO PARA CYBER BULLYING

O bullying não está mais limitado ao playground ou ao vestiário. Os valentões procuram prejudicar os filhos através das mídias sociais e os textos muitas vezes tornam impossível o manejo para a vítima. O meio mais comum usado para o bullying cibernético é o celular. Quase 43% das crianças já foram intimidadas online. Apenas uma vítima em cada 10 informará um pai ou adulto de confiança de seu abuso.

7 – SMARTPHONES EXPÕE CRIANÇAS AO CONTEÚDO SEXUAL

Os smartphones permitiram que as crianças visualizassem a pornografia em qualquer lugar. Os experts em pornografia intencionalmente segmentam a juventude online para atraí-los para imagens e vídeos perigosos. Um estudo mostrou que 42% dos usuários de internet já forma foram expostos à pornografia online. Destes, 66% relatou exposição indesejada a pornografia, muitas vezes através de anúncios online. Não somente as crianças assistem conteúdo sexual de forma indesejada, mas também estão criando isso. Mais e mais crianças estão enviando mensagens de texto sexual ou imagens explícitas. Além disso, vários aplicativos abrem as portas aos predadores sexuais que procuram rastrear, preparar e prejudicar nossos filhos.

8 – EXECUTIVOS DE TECNOLOGIA TIRAM SMARTPHONES DE SUAS CRIANÇAS

De acordo com uma matéria do New York Times, muitos executivos de tecnologia esperam até que seus filhos tenham 14 anos antes de permitir que eles tenham um smartphone. Enquanto esses adolescentes podem fazer chamadas e mensagens de texto, eles não recebem um plano de dados até 16 anos de idade. Se, líderes de gigantes digitais como Google, eBay, Apple e Yahoo estão protegendo seus filhos do smartphone, por quê não fazemos o mesmo?

Iniciativas como essas ainda parecem estar longe para a realidade brasileira, que já seguimos fielmente a onda tecnológica imposta pela cultura de informações e de recompensas imediatistas. Assim, o que podemos fazer é pensar sobre isso de forma responsável, controlando o tempo de uso do smartphone, bem como estabelecendo uma comunicação aberta com as crianças e os jovens sobre esse assunto. Vale deixar claro que os smartphones são mais do que uma peça tecnológica. Se usado de maneira errada, pode ser uma arma que coloca a sua segurança das crianças e adolescentes em risco. As consequências das escolhas deles podem ter repercussões importantes no seu desenvolvimento psicológico, assim precisamos ajudar os filhos a continuar fazendo boas escolhas. Os filhos precisam saber que se tiverem dúvidas, entrarem em apuros ou se meterem em situações que parecem suspeitas, devem pedir ajuda aos pais.

Frente à situação, o Google lançou a plataforma de busca Kiddle.co que bloqueia conteúdos impróprios para crianças, como palavras relacionadas a drogas, nudes e conteúdos de violência. Considerado o “Google infantil”, o site usa a tecnologia Safe Search, filtros manuais que pode ser habilidade em qualquer navegador, inclusive nos celulares.

Outra iniciativa do Google, foi o lançamento do app YouTube Kids, que tem conteúdos educativos com foco em crianças entre 2 e 8 anos de idade e dá maior controle aos pais do que o aplicativo tradicional. É possível escolher a faixa de idade da criança e permitir que a criança faça busca dentro do aplicativo ou não. Os pais tem a disposição de um timer, para controle do tempo que a criança está usando um smartphone.

Criança tem que ser criança, brincar e aproveitar as relações humanas para aprendizagem. Os pais são responsáveis por proporcionar isso a seus filhos. Pais, caso reconheçam dificuldades para lidar com esse assunto com seus filhos, procure por um especialista para orientação.

REFERÊNCIAS

Beard CL, Haas AL, Wickham RE, Stavropoulos V. Age of Initiation and Internet Gaming Disorder: The Role of Self-Esteem. Cyberpsychol Behav Soc Netw. 2017 Jun;20(6):397-401.

King DL, Delfabbro PH. The cognitive psychology of Internet gaming disorder. Clin Psychol Rev. 2014 Jun;34(4):298-308. doi: 10.1016/j.cpr.2014.03.006. Epub 2014 Apr 13. Review.

Meng Y, Deng W, Wang H, Guo W, Li T. The prefrontal dysfunction in individuals with Internet gaming disorder: a meta-analysis of functional magnetic resonance imaging studies. Addict Biol. 2015 Jul;20(4):799-808. doi: 10.1111/adb.12154. Epub 2014 Jun 3. Review.

www.aap.org – Academia Americana de Pediatria
www.kiddle.co
www.screenagersmovie.com
www.youtube.com/watch?v=LQx2X0BXgZg – SCREENAGERS (Official Trailer)
www.waituntil8th.org