Sucesso de intervenções cognitivas sugerem possibilidade de reverter declínio relacionado à idade. Maria Alice Fontes

Apesar do envelhecimento trazer sabedoria, com o tempo, a nossa função cognitiva, que está no pico quando temos a idade de 20 anos, diminui gradualmente durante o resto da vida.

Com o aumento da expectativa de vida desde o século passado, esse declínio se tornou ainda mais evidente, sendo um dos contribuintes para a mortalidade e incapacidade de idosos.

O declínio e o envelhecimento

O envelhecimento está intimamente associado a mudanças graduais no cérebro, o qual tem suas funções reduzidas.

Esse processo é normal, portanto, mesmo os idosos que não possuem doenças neurológicas estão sujeitos a diminuição das tarefas mentais, como atenção, memória, aprendizado, resolução de problemas e raciocínio.

Entretanto, o declínio cognitivo também é afetado por fatores ambientais e genéticos, podendo a sua progressão variar muito de pessoa para pessoa.

Desse modo, o estilo de vida de uma pessoa pode sim promover um envelhecimento mais saudável. Por exemplo, uma pessoa que é fisicamente ativa e se alimenta de uma dieta rica em nutrientes tende a envelhecer melhor.

O envelhecimento do cérebro

Quando falamos do envelhecimento do cérebro, estamos nos referindo a diminuição do número de neurônios e células dos tecidos cerebrais.

Para se ter uma ideia, com 90 anos, a nossa massa cerebral diminui em cerca de 11%. O Córtex cerebral, onde as informações são processadas, é o que sofre as maiores perdas neuronais.

Além disso, menos sangue é mandado para o cérebro, menos neurotransmissores são produzidos, a barreira hematoencefálica no sangue enfraquece e as bainhas mielínicas, capas que protegem os neurônios, acabam se deteriorando.

Tais alterações causam a queda de habilidades mentais, como dificuldade para lembrar de palavras, redução da memória episódica e de curto-prazo, tempo de reação lento e humor deprimido.

A atuação do treino cognitivo

Intervenções de treino cognitivo em indivíduos idosos produziram mudanças significativas na memória, habilidade de solução de problemas e velocidade de processamento. Esta melhora cognitiva mostrou-se durável durante pelo menos 2 anos, de acordo com um relatório apresentado na edição de Novembro do Journal of the American Medical Association (JAMA).

De acordo com a ACTIVE (Advanced Cognitive Training for Independent and Vital Elderly), que estuda um grupo de indivíduos idosos, a magnitude do efeito de treinamento sugere que estas intervenções “têm o potencial para reverter o declínio cognitivo relacionado à idade”.

“Este é um dos maiores e melhores estudos controlados já realizados em intervenções cognitivas para pessoas saudáveis na terceira idade. Este trabalho vem reunindo conhecimentos das áreas de psicologia cognitiva e neurociências”, diz o Dr. Richard M. Suzman, do National Institute on Aging.

Participaram do estudo 2802 indivíduos saudáveis entre 65 e 94 anos, que moravam de forma independente. No momento de admissão no estudo, os escores do Mini Exame do Estado Mental (Mini Mental State Examination – MMSE) foram maiores que 22.

As intervenções consistiam em 10 sessões grupais, cada uma com 60 a 75 minutos, durante o período de 5 a 6 semanas. A Dra. Karlene Ball e seus colegas da Universidade do Alabama, do estudo ACTIVE, avaliaram os resultados destas intervenções.

As sessões tinham o objetivo de trabalhar a memória episódica, a habilidade para solução de problemas e a velocidade de processamento. As estratégias foram introduzidas durante as primeiras 5 sessões e exercícios oferecidos durante as 10 sessões. Para a comparação de resultados foi utilizado um grupo controle com 704 indivíduos.

Melhora confiável (definida como melhora da performance a partir da linha de base de pelo menos um desvio padrão da média) foi documentada no pós teste em 26% do grupo de treinamento de memória, 74% do grupo de treinamento para solução de problemas e 87% do grupo de treinamento para velocidade de processamento (p<0,001). Este nível de significância estatística foi mantido depois de 1 e 2 anos de seguimento.

“Nós ficamos muito estimulados com os resultados do treinamento do grupo de memória” disse Dra. Ball numa entrevista para a Reuters Health. Os resultados anteriores da literatura ainda não tinham mostrado a permanência dos ganhos ao longo do tempo, salientado a grande significância clínica dos nossos achados”.

60% dos participantes continuaram com treinamento complementar durante 11 meses, divididos em 4 sessões. Estes obtiveram melhora significativa em velocidade e solução de problemas.

No final do segundo ano do estudo, 57% destes que receberam treinamento adicional ainda mantinham melhora no desempenho em relação à medida inicial, enquanto para o grupo que não recebeu treinamento complementar, a melhora ocorreu em 35% dos indivíduos.

“Os médicos devem estar cientes que existem maneiras de manter e melhorar a performance cognitiva, o que ainda não tinha sido demonstrado efetivamente no passado”, Dra. Ball complementa: “A tendência era pensar que com a idade, as pessoas têm pior desempenho da memória e menor tempo de reação. Agora é possível saber que existem meios de prevenção”.

A Dra. Ball salienta que os estudos continuam a ser desenvolvidos para que estes tipos de programas possam ser realizados até na própria residência dos indivíduos.

A melhora que foi observada neste estudo parece não ter afetado as habilidades cognitivas do dia a dia. De alguma maneira, pode-se pensar que isto se deve ao fato dos participantes do estudo serem saudáveis e já apresentarem elevado nível de funcionamento cognitivo.

Seria interessante pensar em alternativas para a generalização do protocolo de treinamento, de maneira a melhorar o desempenho nos problemas do dia a dia dos indivíduos idosos.

A Dra. Ball apontou que é necessário acompanhar os pacientes por mais tempo com objetivo de verificar a diferença na vida diária dos sujeitos. “Estamos planejando acompanhar novamente estes sujeitos depois de 5 anos, para verificarmos se os controles tiveram declínio maior que o grupo que recebeu as intervenções cognitivas”.


Referências:

GOLINO, Mariana Teles Santos; FLORES-MENDOZA, Carmen Elvira. Development of a cognitive training program for the elderly. Rev. bras. geriatr. gerontol., Rio de Janeiro , v. 19, n. 5, p. 769-785, Oct. 2016. Available from https://doi.org/10.1590/1809-98232016019.150144.