O Déficit de Atenção e as Funções Executivas. Maria Alice Fontes

Diversos estudos têm evidenciado que as características principais do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) estão associadas a uma dificuldade para inibir ou frear impulsos.

E essa dificuldade pode prejudicar o indivíduo em várias áreas da vida, como, por exemplo, na escola, nos relacionamentos, no trabalho e etc. E existem evidências de que a situação pode ser ainda mais grave caso o diagnóstico de TDAH esteja associado com disfunção executiva.

Cabe salientar que é comum pessoas portadoras do TDAH também apresentarem alterações de funções executivas, no entanto, não são todos os casos. Porém, quando há a presença desses dois transtornos simultaneamente, os prejuízos funcionais são maiores.

Inclusive, estudos neuropsicológicos demonstram que, crianças e adolescentes portadores de TDAH associado com alteração de função executiva tendem a ter um desempenho acadêmico pior do que os portadores que não possuem disfunção executiva.

Evidenciam ainda que os adultos que possuem alteração nas FEs são mais vulneráveis a ter maior prejuízo funcional e socioeconômico do que aqueles portadores que não possuem disfunção executiva.

O TDAH e suas características principais

Quem já não conheceu alguém durante a escola ou até mesmo durante a faculdade que parecia estar no mundo da lua, além de ter muita dificuldade para se organizar e acompanhar os outros colegas?

Apesar de não podermos fechar um diagnóstico apenas com essas informações, pode se dizer que esses sinais são típicos de pessoas que possuem o TDAH.

Além disso, falta de atenção, notas baixas no histórico escolar, reclamação de comportamento na escola, acidentes e traumas e perda de objetos são alguns sinais observáveis do TDAH.

Entretanto, deve haver uma investigação aprofundada, envolvendo entrevistas clínicas, testes neuropsicológicos e escalas, visto que muitas vezes o paciente não tem consciência dos próprios sintomas.

O TDAH é definido como um transtorno do neurodesenvolvimento. Esse tipo de distúrbio caracteriza-se por uma condição neurológica que tem sua origem ainda na infância, e que pode prejudicar o desenvolvimento normal do indivíduo.

Esse transtorno é subdivido em três tipos, variando em relação às características/sintomas mais marcantes apresentados pelo paciente. Para o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5ª edição (DSM-5) são eles:

– Desatenção predominante;
– Hiperatividade/impulsividade predominante;
– Combinado.

Vale destacar que atualmente o TDAH é um dos transtornos psiquiátricos que mais acometem crianças, afetando cerca de 8 a 11% de crianças em idade escolar. Todavia, muitos estudiosos da área acreditam que este transtorno mental é super diagnosticado, devido a uma aplicação incorreta dos critérios diagnósticos.

As Funções Executivas

O estudo das Funções Executivas (FE) teve início no séc XIX, através da observação de pacientes com lesões no lobo frontal e alterações comportamentais decorrentes dessa lesão.

Os estudiosos da época tinham a intenção de identificar partes do cérebro que eram responsáveis por determinadas funções mentais, numa prática que ficou conhecida como localizacionismo.

Talvez um dos estudos mais conhecidos dessa época, e um dos que mais contribuíram para a atual compreensão que a ciência tem sobre as FEs, tenha sido o caso Phineas Gage, documentado pelo médico Johh Harlow.

No ano de 1848, Phineas Gage trabalhava como engenheiro ferroviário na Nova Inglaterra, nos EUA, onde supervisionava a construção de uma estrada de ferro. E uma de suas funções era colocar explosivos nos  buracos e detoná-los, abrindo espaço para colocação dos trilhos. 

Gage utilizava uma barra de ferro para pressionar a pólvora e sem querer ele detonou o explosivo, fazendo com que a barra atravessasse seu crânio, causando uma grave lesão em seu lobo frontal.

Apesar de ter sobrevivido ao acidente, Gage nunca mais foi o mesmo, passando a se comportar de maneira totalmente diferente de antes e causando estranhamento nas pessoas com quem convivia. Ele que antes era considerado um funcionário dedicado, passou a agir de maneira irresponsável e socialmente inadequada.

A partir daí, muitos estudos foram realizados a fim de compreender a relação entre o lobo frontal e o controle do comportamento. O próprio médico de Gage entendeu que sua mudança estava relacionada à lesão lobo frontal, e que esta área seria responsável pelo planejamento e também pela execução de comportamentos socialmente adequados.

Mais tarde, António Damásio e outros estudiosos da área, amparados pela tecnologia de neuroimagem do crânio de Gage, conseguiram refazer a trajetória da barra de ferro, concluindo que essa atingiu regiões do lobo frontal esquerdo e direito, e que estas seriam responsáveis pelo comportamento socialmente adequado.

As Características e importâncias das Funções executivas

As funções executivas são atividades mentais complexas necessárias para planificar, organizar, guiar, revisar e monitorar o comportamento necessário para alcançar metas.

Estas funções começam a se desenvolver desde as primeiras fases do desenvolvimento, entretanto só chegam ao seu ápice no início da vida adulta. Através delas, por exemplo, podemos focalizar a atenção em uma atividade sem a interferência dos estímulos distratores.

As funções executivas permitem guiar nossas ações mais pelas instruções que damos a nós mesmos, do que por influências externas. Ou seja, permitem a auto-regulação do comportamento para podermos executar aquilo que nos propomos a fazer.

Maneiras de se estimular as Funções Executivas desde os primeiros anos

No caso de crianças, podemos usar o momento de fazer as tarefas escolares. Todas as crianças de 4 a 8 anos necessitam de diretrizes externas para fazer suas tarefas.

É necessário proteger-lhes daquilo que pode distrair e ensinar a não responder a tendência natural de fazer outras atividades (ver televisão, atender o telefone, falar com seu irmão, apontar o lápis).

Ou seja, ensinar a não responder a estímulos que são mais atrativos e influentes para eles. Pouco a pouco, eles aprendem a controlar os impulsos de envolverem-se em atividades mais interessantes, o que se conhece como inibir impulsos.

Durante a tarefa escolar também é necessário lembrar às crianças o que é preciso fazer, dar instruções enquanto trabalham, motivá-los, ajudá-los a tolerar experiências frustrantes e ensiná-los a lidar com os obstáculos que se apresentam.

Entretanto, chega o momento em que as crianças, talvez de 9 anos em diante, conseguem internalizar em boa parte estas diretrizes externas e o auxílio dos pais passa a não ser tão necessário.

Então, para alcançar a meta de realizar a tarefa escolar, podem frear com maior facilidade o fato de fazer coisas mais interessantes e conseguem recordar o que devem fazer (buscar o caderno, fazer a tarefa de matemática, guardar a mochila), dar a si próprio instruções (“depois que termina pode brincar com amigos”), proteger-se das frustrações que naturalmente vão surgir e ser criativos ou flexíveis para buscar a solução aos obstáculos que se apresentam. Isto se consegue por meio das funções executivas.


Referências:

HAMDAN, Amer Cavalheiro; PEREIRA, Ana Paula de Almeida. Avaliação neuropsicológica das funções executivas: considerações metodológicas. Psicol. Reflex. Crit., Porto Alegre , v. 22, n. 3, p. 386-393, 2009. 

Froehlich, T. E., Lanphear, B. P., Epstein, J. N., Barbaresi, W. J., Katusic, S. K., & Kahn, R. S. (2007). Prevalence, recognition, and treatment of attention-deficit/hyperactivity disorder in a national sample of US children. Archives of pediatrics & adolescent medicine, 161(9), 857–864. https://doi.org/10.1001/archpedi.161.9.857

SABOYA, Eloisa et al . Disfunção executiva como uma medida de funcionalidade em adultos com TDAH. J. bras. psiquiatr., Rio de Janeiro , v. 56, supl. 1, p. 30-33, 2007 . https://doi.org/10.1590/S0047-20852007000500007.