Nos últimos anos, a velocidade de mudança do mundo explodiu. A tecnologia trouxe uma enxurrada de informação e o tempo ficou apertado para tantas coisas que temos que fazer e prestar atenção de forma concomitante. A ciência tem acumulado descobertas mais rapidamente, do que a sociedade tem conseguido processar. Isso tem nos deixado ansiosos, acelerados e desconectados do que mais importa.
Os nossos sistemas de resposta ao estresse estão constantemente ligados no mundo moderno. Nossos ancestrais, que viviam nas tribos humanas, se conectavam com cerca de 60 a 100 pessoas durante a vida toda. Hoje em dia, vivemos de centenas de amigos virtuais, milhões de seguidores com relações efêmeras. Mas qual o papel da conexão verdadeira, entre pais e filhos? Estudos mostram, por exemplo, que o amor de mãe faz o cérebro do filho se desenvolver melhor.
Será que existe um período ideal para estreitar o convívio familiar? Na verdade, todos os dias podem ser oportunidades de criarmos maiores vínculos. Acontece que durante o período letivo, com a escola e a correria diária dos filhos, as famílias acabam negligenciando o precioso tempo de lazer e conexão.
Joan Luby, psiquiatra infantil da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington, descobriu que uma importante área do cérebro cresce duas vezes mais rápido em crianças cujas mães demonstravam afeto e apoio emocional, em comparação com as que eram mais distantes e frias.
Imagens do cérebro mostraram que esse tipo de criação era mais benéfica para crianças com menos de seis anos – e que mesmo que uma mãe se torne mais afetuosa quando a filha ou filho é um pouco mais velho, não é possível compensar os anos em que esse amor foi negligenciado.
Segundo Joan, isso ocorre porque há um período crucial em que o cérebro responde mais ativamente ao apoio materno, provavelmente por conta da maior plasticidade, quando as crianças são mais novas. Ou seja, as conexões afetivas são ainda mais importantes nos primeiros anos de vida.
Quando os filhos são pequenos dependem dos adultos para comer, tomar banho, vestir-se, caminhar, enfim para suprir todas as suas necessidades básicas. Estabelecemos assim uma conexão enorme.
Mas o apego com os filhos deve ocorrer independentemente da idade. É algo para toda a vida. Nada melhor do que as férias para dedicar tempo qualitativo e permitir que essa conexão aconteça naturalmente. Com menos compromissos, fica mais fácil se entregar por completo. Alguns pais têm dificuldade de se conectar com os filhos porque, além de tempo, lhes falta boa vontade para acompanhar as crianças naquilo que elas se interessam, ainda mais quando “concorrem” diretamente com a tecnologia e o abuso de telas.
Uma pesquisa divulgada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil mostrou um aumento significativo no percentual de crianças, na faixa etária de 9 a 10 anos, que acessam a internet. O aumento foi de quase 15 pontos percentuais, passando de 79% em 2019 para 92% em 2021.
Muitas vezes, os celulares e as telas são utilizados com a premissa de distrair as crianças. No entanto, essa estratégia certamente tem efeitos negativos a longo prazo, pois as vias de aprendizado social, a empatia e as habilidades sociais precisam de estímulo para se desenvolverem. Quando os mais novos são acalmados com o celular, eles estão construindo uma associação de comportamentos ansiosos e busca por gratificação imediata.
Esse fenômeno, do celular usado como uma “chupeta virtual” pode levar a consequências indesejadas, como crianças mais desobedientes, irritadas e com dificuldades em se concentrar. Ao se habituarem ao rápido acesso a estímulos e recompensas instantâneas, proporcionados pelos dispositivos eletrônicos, as crianças podem desenvolver uma dependência e uma falta de habilidades para lidar com o tédio, a frustração e a espera.
E isso se estende ao longo dos anos. Estudos apontam para diversos prejuízos no rendimento acadêmico, saúde mental e física do abuso das telas, principalmente para alunos a partir da pré-adolescência, que começam a ser mais exigidos academicamente.
Troque a tela pela conexão afetiva
Com a conexão cria-se intimidade, cumplicidade e companheirismo. Aguçamos as emoções e desenvolvemos um olhar diferente para o outro. Neste momento de troca os pais têm a oportunidade de incentivar, apoiar, elevar a autoestima, utilizar o toque, o contato físico, criando assim laços de afetividade e também estimulando o cérebro a responder positivamente a estes estímulos.
O momento de conexão propicia a aprendizagem para ambos. Entregar-se ao momento dos relacionamentos temos a oportunidade de esvaziar a mente de julgamentos e obrigações do dia a dia, dando espaço para o olhar genuíno para a criança. Neste momento, o vínculo afetivo está em pleno desenvolvimento e ele passa a ser o passaporte para a criança se desenvolver e se tornar independente com segurança. Essa troca afetiva proporciona o desenvolvimento gradual da auto regulação da criança.
O que é possível fazer para evitar o excesso de exposição às telas?
Aproveitar as férias para compartilhar momentos entre amigos e família é uma das diversas maneiras de criar momentos “screen free” e abrir a possibilidade de reencontrar as relações humanas, tão necessárias para o desenvolvimento.
Uma pesquisa divulgada pela Health Education Research afirma que crianças que se divertem em diferentes ambientes naturais são mais conscientes sobre sua alimentação e mais cuidadosas – consigo e com o próximo.
Estudos recentes apontam ainda o benefício, até mesmo a necessidade, de passar tempo ao ar livre, tanto para crianças quanto para adultos. A maioria dos estudos concorda que as crianças que brincam fora são mais inteligentes, mais felizes, mais atentas e menos ansiosas do que as crianças que passam mais tempo em ambientes fechados.
O que podemos fazer para ajudar os nossos filhos desenvolverem um cérebro saudável?
- Passar tempo especial com o seu filho, ao ar livre e sem interferência de telefone ou outros distratores;
• Repetir palavras de afirmação que transmita a mensagem de amor;
• Brincar com seus filhos, deixando com que eles escolham a brincadeira;
• Deixá-los dar as regras dos jogos, lhe dando assim a oportunidade deles ensinarem os adultos, sentindo-se competentes e encorajado;
• Acordar juntos, cumprir os combinados e respeitar as regras dando bons exemplos;
• Dar a oportunidade que eles percam nos jogos e desenvolvam resiliência com naturalidade;
• Incentivar a não desistir diante de alguma dificuldade e enfatizar o esforço;
• Encorajar suas atitudes e decisões, lembrando que elogios específicos são mais eficazes. Em vez de falar: “nossa como você é inteligente!”; opte por falar: que boa jogada você fez, foi uma estratégia bem pensada”;
• Incentivá-los a fazer algo que nunca fizeram, levantando assim a autoestima;
• Deixá-los pensar, descobrir, solucionar, evitando dar respostas prontas;
• Tocar e fazer carinho durante o momento em que estão juntos;
• Guarde os seus segredos, nunca traindo sua confiança, pois sendo seu cúmplice você pode se tornar o companheiro mais fiel que os seus filhos possam ter.
Quais são algumas atividades que podem fazer juntos?
- Ler e cantar;
• Assistir um programa ou um filme junto, dando oportunidade para discussão e troca de opinião;
• Tirar um momento para ajudá-los a resolver um problema, esclarecendo uma dúvida e respondendo a qualquer pergunta que surja. Para fazer disso algo divertido, coloquem perguntas dentro de uma caixinha ao longo do dia e reserve um momento para respondê-las;
• Transmitir seu conhecimento sobre atividades corriqueiras: consertos domésticos ou as tarefas que você realiza dentro de casa ou atividades do seu trabalho. Compartilhe o que você sabe;
• Propor jogos onde possam expressar sentimentos e identificar linguagem corporais e faciais;
• Sentar-se no chão e pedir que nos ensinem como brincar com seus brinquedos. Torne-se criança novamente!
• Jogar jogos de tabuleiro;
• Brincar sem regras e com espontaneidade.
As férias são uma excelente oportunidade para reconectar os laços com a família e ajudar os filhos a desenvolver habilidades sociais. Aproveite cada momento de acompanhar o seu filho crescendo, e mostre a eles como lidar com dificuldades, alegrias, familiares e trabalho, conforme as oportunidades forem aparecendo.
Boas férias!
Colaboração: Mônica Merlini
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