Fantasia x Realidade: Um universo não tão “cor-de-rosa”. Maria Alice Fontes

O pensamento mágico nunca foi tão importante quanto agora. A arte, a imaginação, os contos de fadas e a cultura em geral sempre foram fundamentais, e isso ficou ainda mais evidente pós-pandemia. 

Quantas vezes, nos últimos tempos, as brincadeiras, as séries, músicas, livros, filmes e histórias literalmente acalmaram os nossos filhos e a nós também? Tem sido quase uma questão de sobrevivência…

Nos últimos dias, por exemplo, vivemos uma explosão rosa com o novo filme da Barbie. Uma das bonecas mais famosas do mundo, pela primeira vez, ganhou sua versão humana. A fantasia tornou-se realidade. 

Ao abrir um dicionário de língua portuguesa (Bueno, 2000) para verificar o significado do termo “fantasia“, encontra-se como sinônimos: imaginação, ideia ou até capricho. Popularmente esses significados também são aceitos, visto que para milhares de pessoas a fantasia é um lugar na imaginação onde tudo é possível e ideal, um lugar onde há sonhos, mesmo que alguns deles sejam impossíveis. 

Radino (2003) explica que a fantasia é o combustível interno do sujeito, já que desde o nascimento elas são criadas para possibilitar a sobrevivência psíquica frente às angústias e realizar os desejos, além de tornar possível a nomeação, projeção e externalização dos medos. 

Assim sendo, o mundo imaginário exerce papel fundamental no desenvolvimento emocional. As histórias, por exemplo, seja em livros, filmes e peças de teatro, trazem enredos que despertam a curiosidade, a criatividade e abordam sentimentos. Isso dá a possibilidade às crianças e aos adolescentes de projetar os próprios dramas, medos e emoções nos personagens.

O problema é que anos depois, muitos adultos, usam isso como uma “válvula de escape” da realidade. A cortina rosada, as roupas e acessórios, por exemplo, podem esconder transtornos de saúde mental, como depressão e ansiedade.

Muitas vezes quando a realidade concreta se torna insuportável ou simplesmente intolerável, a pessoa pode criar um mundo à parte, desejando que este “novo mundo criado” seja um substituto ao seu sofrimento. Isso pode ser passageiro ou não. O problema é fazer isso constantemente e de tal forma que ao usar este recurso a pessoa substitua as relações humanas, interpessoais, deixando que isso afete todos os outros campos da vida (trabalho, vida social, familiar, lazer, etc).

Vamos entender melhor. Lidar com as memórias e as lembranças positivas é saudável. Colocar o lado criativo e imaginário para funcionar também, porém, dentro de limites. Se de alguma forma, isso atrapalha a vida da pessoa, não é saudável.

O filme da Barbie pode ser um gatilho para pessoas com dificuldade em transitar entre a realidade e a fantasia. É o caso das “Barbies humanas”, que querem se sentir “perfeitas” e recorrem a intervenções estéticas, uma onda que começou em 2012 e que até hoje se estende, em especial, nas redes sociais. O longa, inclusive, traz à tona essa discussão e as cobranças do mundo real pela perfeição.

A pressão da imagem perfeita nas redes sociais

De acordo com estudos recentes, a crescente exposição a imagens perfeitas e inalcançáveis está ligada a um aumento dos casos de dismorfia corporal entre jovens, transtorno que é caracterizado pela preocupação excessiva dos indivíduos com sua aparência física, o que leva a outros problemas emocionais e físicos.

De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos, a dismorfia corporal afeta cerca de 1,7% da população mundial, com maior incidência em adolescentes e jovens adultos. No entanto, com o aumento do uso das redes sociais, essa estatística pode estar subestimada.

Um estudo da Royal Society for Public Health do Reino Unido revelou que as redes sociais têm um impacto negativo na autoimagem dos jovens. Em uma pesquisa com mais de 1.500 pessoas com idades entre 14 e 24 anos, mais da metade relatou sentir-se inadequada em relação a sua aparência física depois de usar as redes sociais. Além disso, o estudo mostrou que o Instagram, em particular, é a plataforma mais prejudicial para a autoestima dos jovens, devido à grande quantidade de imagens retocadas e perfeitas que são compartilhadas.

A preocupação com a aparência se tornou assunto recorrente no cotidiano das pessoas, junto a isso as comparações e sensações de inferioridade por questões relacionadas a aparência em relação ao outro, o que culmina no que se pode chamar de dismorfia corporal, quando o sujeito se sente feio ou defeituoso em relação ao outro (social). As afetações se movimentam pela baixa autoestima, oscilação de supervalorização de si e declínio dessa percepção, podendo desencadear crises de ansiedade e depressão.

É importante prestar atenção nos pequenos sinais que podem evoluir para um possível transtorno: como se enxerga na realidade e ao sinal de incômodos frequentes que afetam a vida social real, deve-se procurar ajuda de profissionais de saúde mental.

Adultescência: o fenômeno do eterno adolescente

A tentativa de se esconder em um mundo “faz de conta” traz ainda outra questão importante: a obsessão de uma parte dos adultos pela adolescência esticada ou tardia.

O fenômeno da adultescência, também conhecido como adolescência prolongada, é a manifestação na faixa etária adulta de condutas com imaturidade e comportamentos característicos adolescentes.

O mito da juventude eterna é também conhecido como Síndrome de Peter Pan, onde o adulto não aceita a responsabilidade de crescer e deseja viver eternamente em um mundo de fantasias, um faz de conta sem fim.

Essas pessoas sentem necessidade do conforto da casa dos pais e se assustam ao verem as muitas possibilidades e incertezas que uma vida adulta apresenta. Além disso, uma infância perturbada e que não foi bem vivida também pode ser o motivo pelo desencadeamento da síndrome.

Nesse caso, há o desejo da liberdade de criança e a pessoa não aceita que quando adulta não poderá mais vivê-la. Então, terá que enterrar algo que não usufruiu, o que gera um conflito interno.

Uma das características típicas deste fenômeno é o prolongamento da moradia na casa dos pais, onde o homem ou a mulher, com a premissa de precisar ganhar mais dinheiro para poder sobreviver por conta própria, evita a saída da casa dos pais devido ao medo ou insegurança perante a própria vida.

Ajuda profissional

Ninguém pode viver em um mundo só de fantasia. Mas é importante saber incentivá-lo. A frase já explica bastante. O estímulo à fantasia faz bem, e a criança tem de ser livre para criar. Mas, se você pai ou responsável perceber que ela está fugindo muito da realidade, não durante a brincadeira, mas na vida, é sinal de alerta. 

No caso dos adultos, é importante avaliar os motivos que os fazem fugir da realidade. A fantasia é legal porque é criativa, mas viver o tempo nela impede que você realmente encontre um ponto de equilíbrio.

O aconselhável é buscar uma avaliação psicológica adequada para identificar as possibilidades junto com um profissional, de melhorias e crescimento. 

O tratamento psicológico irá identificar traumas e padrões de crenças disfuncionais, identificando maneiras de superar a insegurança e imaturidade, para que de forma livre a pessoa consiga superar frustrações e assumir com alegria e responsabilidade o seu mundo real.

Não há porque nos desligarmos do que fomos ou vivemos quando menores, o que é preciso é a aceitação. Se a infância foi repleta de alegrias, que elas sejam motivadoras e inspirem a vida adulta.

Logo, se o passado foi traumático e o fato de não ter o desfrutado como deveria é o que pesa, lembre-se que uma nova fase da vida também é algo a se desfrutar e preencher com realizações.

Colaboração: Mônica Merlini

Fontes:

Bueno, F. S. (2000). Minidicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Editora FTD S.A. 

Radino, G. (2003). Contos de fadas e a realidade psíquica, a importância da fantasia no desenvolvimento. São Paulo: Casa do Psicólogo. 

https://www.scielo.br/j/er/a/WLhMwpCwdJPtRP7MHzT56Dt/

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2316-51972019000100005