Entendendo o Déficit de Atenção (TDAH), diagnóstico, tratamento e suas implicações cerebrais. Daniela Aguilera Moura Antonio, Maria Alice Fontes

A quantidade de informações que temos acesso diariamente tem se tornado cada dia mais difícil de administrar. Toda essa informação é processada no nosso cérebro. Ele é responsável por analisar as informações que obtemos do mundo a partir dos nossos sentidos e apresentar uma resposta adequada a determinadas situações, de acordo com o contexto cultural e social.

Existem áreas e circuitos cerebrais específicos para cada função: atenção, controle do impulso, memória operacional, planejamento e organização da execução das tarefas. Através do neurodesenvolvimento, a criança vai aprendendo a controlar sua atenção, inibir alguns impulsos e a regular suas próprias emoções. Por meio deste esforço, conseguimos manter o estímulo frente a uma tarefa entediante e finalizar grandes desafios a longo prazo. Para isso, a criança precisa conseguir regular suas emoções, planejar as ações antes de tomar uma decisão complexa, considerando suas consequências futuras e ponderando o que é mais apropriado à determinada situação.

Por quê algumas crianças têm mais dificuldade do que outras?

Algumas crianças podem apresentar falhas na entrada da informação, ou seja, na capacidade de manter a atenção, de inibir os distratores ou de controlar os impulsos. Essas falhas acabam desencadeando problemas no desempenho escolar, na aprendizagem em geral e nas relações sociais. Quando essas falhas são específicas, persistentes e afetam a vida do indivíduo de forma significativa, podemos considerar a presença do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, mais conhecido como TDAH.

O quê é o TDAH?

O TDAH é um Transtorno do neurodesenvolvimento, com base genética, que acomete cerca de 5,29% da população infantil mundial, sendo este o transtorno mais comum de início na infância.

Segundo dados da Associação Brasileira de Déficit de Atenção (ABDA), cerca de 3% a 5% das crianças brasileiras sofrem de TDAH, sendo a prevalência maior em meninos do que em meninas. O diagnóstico é geralmente feito durante o Ensino Fundamental.

Um dos critérios diagnósticos segundo o Manual Estatístico de Transtornos Mentais DSM-V é que o transtorno esteja pressente desde antes dos 12 anos de idade, época em que a criança passa a ter mais maturidade e começa a ter maiores capacidades de controle em determinadas situações. Cerca de 60% a 85% as crianças com TDAH na infância permanecem com os sintomas do transtorno na adolescência e na vida adulta.

Para o diagnóstico do TDAH, os sintomas devem interferir significativamente, trazendo prejuízos funcionais em diversas áreas da vida da criança, tais como na escola, nas atividades extracurriculares e nas relações de amizade e com a família.

Como é o cérebro de uma criança com TDAH?

Recentemente, no maior estudo multicêntrico já conduzido (Hoogman et al., 2017), cientistas observaram certo atraso no desenvolvimento do cérebro dos pacientes com TDAH. Neste estudo mais de 3 mil participantes, divididos em grupos de pacientes com TDAH e indivíduos saudáveis, entre 4 e 64 anos, foram submetidos a exames de Ressonância Magnética a fim de estudar precisamente as estruturas cerebrais.

Cada região cerebral avaliada por um mesmo protocolo padronizado, nos diferentes centros de pesquisa foram comparadas em relação a tamanho e volume de cada região entre os grupos de pacientes com e sem o transtorno.

Os resultados revelaram que algumas estruturas cerebrais como a amígdala cerebral, o núcleo acúmbens e o hipocampo são menores nos pacientes com TDAH. Essas estruturas cerebrais são responsáveis pela regulação das emoções, motivação e o chamado sistema de recompensa, que modifica nosso comportamento através da sensação de prazer.

Em análise por faixa etária, foi observado que estas alterações são mais leves nos pacientes adultos, o que sugere que exista uma compensação ao menos parcial, com o passar dos anos. Este estudo é considerado uma das maiores evidências até hoje de que o TDAH é um transtorno relacionado ao atraso na maturação de regiões cerebrais reguladoras das emoções, pois essas estruturas estão menos desenvolvidas, principalmente nas crianças.

Foi observado também que tais alterações estruturais não se devem ao uso de medicamentos para tratamento do TDAH e nem à presença de outros problemas que podem surgir associados ao transtorno, como ansiedade e depressão.

Quais os prejuízos funcionais no dia a dia das crianças com TDAH?

As crianças com TDAH podem ter dificuldades em três grandes áreas cognitivas: na atenção, no monitoramento motor (hiperatividade) e no controle inibitório (impulsividade).

Na esfera da atenção, distraem-se com barulhos ou coisas do ambiente, às vezes não escutam o que o outro está falando, sendo necessário repetir a informação e podem não se atentar a detalhes das tarefas, por exemplo: erram uma conta porque não percebem o sinal da operação matemática. Esquecem o que têm que fazer de lição de casa ou alguma informação que foi conversada no dia. Por vezes, podem ser muito desorganizados, deixar seu quarto ou seu material escolar muito bagunçado e até perder seus objetos pessoais.

Na esfera da hiperatividade têm dificuldades para controlar as funções motoras, eles buscam qualquer motivo para se levantar, andar, correr e pular, apenas para se movimentar, pois tem a necessidade de se mexer o tempo todo e uma sensação de inquietação que não os deixam ficar parados por muito tempo. Filas, ou locais de espera são muito difíceis para eles, pois ficam muito entediados. Podem realizar as tarefas de forma rápida, apenas para se livrar delas e não esperam as instruções até o fim, e assim, muitas vezes respondem de forma equivocada por não entender o contexto da informação.

Na esfera do controle executivo, podem falar junto com o colega, por não conseguir esperar o outro terminar uma informação. Interrompem as pessoas no meio de uma explicação, devido à dificuldade no auto-monitoramento do comportamento inadequado. Têm dificuldades em regular suas emoções e inibir vontades na espera de um reforço maior a longo prazo. São imediatistas e por isso, muitas vezes são impulsivos, fazem e dizem coisas sem pensar e se intrometem em conversas alheias. Não conseguem planejar e estabelecer uma rotina de estudos, e nem de trabalhar de forma autônoma. Conteúdos com muita informação se tornam muito difíceis, então tendem a evitar tarefas consideradas desinteressantes ou que exigem muito esforço mental para se concentrar e se manter na tarefa, estabelecem desculpas, ou se recusam a fazer.

Por quê algumas crianças com TDAH ficam hiper focadas nos jogos eletrônicos?

Quando as crianças com TDAH se interessam muito por alguma atividade, elas conseguem obter ótimos resultados e desempenho. O prazer de fazer alguma atividade interessante libera uma série de neurotransmissores (dopamina, noradrenalina) que propiciam um hiper foco. Neste caso, quando o assunto lhes interessa muito, as crianças se comportam como se fossem muito atentos e controlados. Essas características descrevem como as crianças funcionam no mundo, se comportando da mesma maneira em diferentes ambientes e de acordo com estimulações distintas.

Qual o impacto emocional de tudo isso na vida da criança?

Na sociedade, as crianças com TDAH podem apresentar baixo rendimento escolar, ter comportamentos de risco, se interessar por coisas perigosas e chegar a fazê-las, devido à impulsividade, ficando suscetíveis a acidentes. Como consequência desse comportamento, a criança fica exposta a julgamentos sociais que geram prejuízos emocionais. Crianças com TDAH se deparam constantemente com sentimento de inadequação e fracasso, devido às frequentes frustrações de não conseguir realizar o que desejam e não conseguir manejar seu próprio comportamento, refletindo intensas dificuldades no relacionamento entre pares e nas interações familiares. Não é incomum sintomas de ansiedade e depressão aparecerem em comorbidade, bem como outros transtornos psiquiátricos relacionados, como Transtorno de Oposição e Desafio.

O TDAH é um transtorno muito heterogêneo, ou seja, pode ter diversas manifestações e nem todas as crianças apresentam os mesmos sintomas, que podem aparecer em formas e intensidades diferentes. É importante investigar se nenhum outro transtorno ou problema responde melhor essas dificuldades, incluindo fatores psicossociais e ambientais, distúrbios emocionais e transtornos neurológicos e outros transtornos psiquiátricos.

Como identificar o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade?

Apesar dos indícios de alterações das estruturas cerebrais em pesquisas, o diagnóstico atualmente ainda continua sendo clínico, realizado por especialistas na área, por meio de avaliações multidisciplinares que reunirão dados e informações sobre neurodesenvolvimento. Geralmente é investigada a capacidade de compreensão de limites, dinâmica familiar e escolar, estilo de vida, principais queixas e dificuldades a fim de descartar hipóteses e levantar possível diagnóstico. Para isso são avaliados aspectos da fala e linguagem (Avaliação Fonoaudiológica), aspectos acadêmicos de leitura, escrita e compreensão de texto (Avaliação Psicopedagógica) e aspectos emocionais e cognitivos (Avaliação Neuropsicológica).

A avaliação Neuropsicológica tem papel fundamental para auxiliar no diagnóstico e no direcionamento da intervenção, pois pode identificar o perfil neuropsicológico do indivíduo, comparando o desempenho das capacidades cognitivas em testes padronizados com dados correspondentes a uma determinada amostra normativa, considerando o nível de escolaridade e características socioeconômicas. Estes resultados indicam o quanto o desempenho está dentro da média esperada ou o quão diferente (acima ou abaixo) está em relação ao desenvolvimento esperado. Há casos de difícil identificação ou sobreposição de sintomas que só será respondido por meio de intervenções focadas.

Considerando todas as avaliações, quem fecha o diagnóstico e está apto a prescrever medicamentos para amenizar os sintomas, caso haja necessidade, são principalmente os neurologistas e os psiquiatras.

O quê fazer com o diagnóstico?

O diagnóstico, não serve como um rótulo para o indivíduo, mas sim como uma identificação da condição do funcionamento cognitivo e para nortear intervenções específicas, considerando as dificuldades, utilizando-se de suas potencialidades.

As intervenções são sugeridas de acordo com a avaliação prévia e o nível de comprometimento em determinadas áreas. Existem intervenções farmacológicas, que se utilizam de mecanismos químicos para amenizar os sintomas das alterações no circuito neurobiológico. E intervenções não farmacológicas, como acompanhamento terapêutico multidisciplinar na(s) área(s) com dificuldade(s): acompanhamento pedagógico, fonoaudiológico, psicoterapia e reabilitação neuropsicológica.

O tratamento deve considerar todas as alterações neurobiológicas e a expressão comportamental, para que os especialistas direcionem as intervenções mais adequadas para a redução dos sintomas levando em conta a neuroplasticidade.

As intervenções também devem contemplar orientações sobre o próprio funcionamento do indivíduo, para os pais e para a escola a fim de entenderem suas diferenças e potencialidades, direcionando formas de enfrentamento. Com a intervenção certa, as crianças podem potencializar seus interesses e encontrar seu lugar no mundo, diminuindo os estigmas e aproveitando ao máximo suas capacidades e individualidade.

Referências


APA (2014). DSM-5 Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. American Psychiatric Association. 5ª edição. Porto Alegre: Artmed. 2014
GINDRI G, et al (2015). Métodos em reabilitação neuropsicológica. In: Malloy-Diniz LF. (Org). Neuropsicologia – Aplicações Clínicas. Artmed. Grafman J (2000). Conceptualizing functional neuroplasticity. J. Comm Dis. 33:345-56.
HOOGMAN, M. et al (2017). Subcortical brain volume diferences in participants with attention déficit hyperactivity disorder in children and adults: a cross-sectional mega-analysis. Jama Psychiatry. Fev. 2017.
SZOBOT, C. M. et al. (2001) Neuroimagem no transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Revista Brasileira de Psiquiatria, V. 23, supl. 1, p. 32-35.
https://tdah.org.br/