Conflitos no Oriente Médio: Uma reflexão sobre a desumanização e a saúde mental. Maria Alice Fontes

A guerra reinstalada no Oriente Médio, mesmo a milhares de quilômetros de distância, acaba por nos afetar direta ou indiretamente, acarretando consequências psicológicas, tanto para as pessoas que deles são alvo, como para aquelas que observam a situação ao longe.

Quem observa pelo noticiário as cruéis imagens da violência, dor e sofrimento, percebe diretamente a elevação do stress, ansiedade, medo e desesperança que resultam da exposição contínua às imagens da mídia. Esse estado emocional piora à medida que nos sentimos impotentes, sem saber o que fazer e o que está por acontecer.

A exposição à violência pode ter uma série de consequências psicológicas negativas, dependendo da natureza e intensidade dos eventos. Elas vão desde sintomas emocionais de medo e ansiedade, até o desenvolvimento do trauma com flashbacks, insônia, pesadelos, sensação constante de vigília e evitação de gatilhos relacionados ao evento traumático, com a consequente alteração das estruturas cerebrais envolvidas nos processos de memória, emoção e cognição. Todos esses sintomas são enquadrados no que a ciência chama de “reação aguda ao estresse”, que ainda inclui se assustar facilmente com sons abruptos.

O neurocientista David Eagleman, da Universidade de Stanford, traz à discussão um tema importante sobre o assunto: a desumanização, que muitas vezes está por trás da justificativa da violência. Como o contexto social e a obediência às autoridades influenciam o comportamento em massa? Por que grupos extremistas consideram justificável fazer atos de violência a outros grupos étnicos e religiosos? Isso vai totalmente contra o instinto social de empatia e agrupamento do ser humano. Nosso cérebro não é programado para maltratar, torturar e matar outros seres humanos.

A psicologia social desempenha um papel importante na compreensão do fenômeno da desumanização. A desumanização refere-se ao processo pelo qual as pessoas percebem ou tratam outras como menos humanas, muitas vezes negando-lhes características fundamentais, como empatia, compaixão e dignidade. 

A guerra frequentemente leva à desumanização, tornando mais fácil para as pessoas cometerem atos cruéis. A desumanização é um processo psicológico de massa que consiste em negar ou reduzir a humanidade de um grupo ou indivíduo, atribuindo-lhes características inferiores ou animalescas. Quando um grupo passa a ser chamado de “mostros”, “ratos”, nota-se a criação de estereótipos e estigmas negativos justificando a difusão de atrocidades.

Esse fenômeno de massa em situações de guerra, leva as pessoas muitas vezes a se agruparem e desenvolvem uma mentalidade “nós versus eles”. Isso pode levar a uma desumanização dos membros do grupo inimigo, facilitando atos de violência contra eles. 

A desumanização pode ser usada como uma estratégia de guerra, para facilitar a violência contra o inimigo, justificar as atrocidades cometidas e diminuir a culpa ou a compaixão dos agressores. A guerra expõe a desumanização, ao mostrar os combatentes e as vítimas em situações extremas de sofrimento, medo e ódio. A desumanização e a guerra podem ter consequências devastadoras para a dignidade, os direitos e a saúde mental das pessoas.

Num contexto de guerra, os riscos de desenvolvimento de transtornos mentais ou problemas de saúde são elevados, mesmo depois de findado o conflito e alcançada uma sensação de estabilidade de longo prazo. Em situações como essas, as taxas de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), depressão, abuso de substâncias e ansiedade sobem, às vezes, 30%.

Um estudo apresentado em 2019 por pesquisadores norte-americanos mostra que passar por uma situação traumática pode, além de comprometer a saúde mental, causar danos biológicos. 

Eles analisaram a estrutura cerebral de sobreviventes do Holocausto e constataram que o estresse e o sofrimento levaram a uma redução significativa da massa cinzenta dessas pessoas.

A diminuição era ainda maior entre as que tinha 12 anos ou menos na ocasião do genocídio, disseram. O estudo revelou também diferenças substanciais nas estruturas cerebrais envolvidas no processamento de emoção, memória e cognição social entre os sobreviventes e indivíduos que não viveram esse trauma.

E o que podemos fazer? 

De acordo com a Dra. Edith Eva Eger, uma sobrevivente do Holocasuto, psicóloga e autora do livro “The Choice: Embrace the Possible”, para sobreviver precisamos ter sempre em mente a possibilidade das escolhas. E à medida que tenhamos escolhas positivas e conscientes, conseguiremos progredir.

Mesmo depois de tanto sofrimento e humilhação nas mãos dos nazistas, e após anos lidando com as terríveis lembranças e a culpa, ela escolheu perdoá-los e seguir vivendo com alegria. Edith acredita que um indivíduo carrega dentro de si a decisão de jamais se deixar abater.

“Ser vítima é uma escolha”. A autora argumenta que é necessário fazer a escolha consciente de abrir mão de eternizar-se como vítima, porque somente assim o indivíduo reivindicará para si a capacidade de superar seus traumas.

Este triste acontecimento no Oriente Médio traz de volta a acirrada polarização mundial, onde cessaram todos os esforços de negociação e a guerra se tornou uma saída de difícil retorno. Infelizmente, o ser humano quando tomado pela ira e pela guerra, tem poucas habilidades de tomar decisões racionais e equilibradas. 

Não podemos alterar as decisões geopolíticas ou o decurso de acontecimentos mundiais, mas podemos escolher como reagimos a (estas) situações que estão para além do nosso controle. Podemos nos adaptar e contribuir com aquilo que está ao nosso alcance, além de procurar regular os nossos pensamentos e sentimentos.

Sem entrar em nenhuma questão polêmica, gostaria de deixar uma reflexão. Qual é a sua escolha neste momento? Vai contribuir para desumanizar e perpetuar a guerra, ou vai buscar olhar as diferentes perspectivas históricas com empatia para replicar mensagens de paz? Dizer “NÃO” ao terrorismo, não te deixa livre para massacrar o outro lado. 

A construção da Paz começa na aceitação das diferenças entre todos os cidadãos: ucranianos, palestinos, israelenses ou de qualquer outra nacionalidade.

“A paz não é algo que você deseja; é algo que você faz, algo que você é, algo que você dá, algo que você é e algo que você compartilha.” – John Lennon.

Colaboração: Mônica Merlini

Bibliografia:

Eagleman, D. The Brain: The Story of You Hardcover (2015). 

Eger, EE. The Choice: Embrace the Possible (2018).

https://www.sbponline.org.br/2022/03/psicologos-explicam-como-a-guerra-pode-afetar-a-saude-mental