As emoções têm uma influência substancial sobre os processos cognitivos dos seres humanos. Todas as funções que participam do processo de aprendizagem (percepção, atenção, memória, raciocínio e resolução de problemas) são de alguma maneira moduladas pelas emoções. A atenção é afetada pelas emoções, de forma que tudo o que gostamos acaba tendo uma relevância na seleção do foco atencional, bem como motivando a ação e o comportamento. Este controle atencional e executivo está intimamente ligado aos processos de aprendizagem, pois só conseguimos aprender, aquilo que focamos a atenção de forma relevante.
A emoção também facilita a codificação e ajuda a recuperar informações de forma eficiente. No entanto, os efeitos da emoção na aprendizagem e na memória nem sempre acontecem numa única direção. Estudos mostram que a emoções podem também prejudicar a retenção das informações e da memória de longo prazo, dependendo de uma série de fatores.
Como as emoções afetam o aprendizado?
Somos movidos pela afetividade, tanto na sua forma positiva quanto na negativa. Um encorajamento nos move de forma a buscar mais desafios, enquanto uma reprimenda ou crítica pode nos afetar negativamente. Nas duas situações, a afetividade opera como elemento de desenvolvimento, quer seja no sentido de criar mecanismos de compreensão e aceitação ou no sentido de defesa e repulsa devido as sensações geradas pelas informações.
A afetividade ocupa um lugar extremamente importante desde o início da vida do ser humano. Na idade escolar, exerce um papel fundamental ao influenciar a aprendizagem e o desenvolvimento da inteligência.
Podemos descrever o processo de aprendizagem como um solo fértil, com espaço livre e pronto para um grande plantio. Esse solo só precisa receber as sementes, ser regado e cultivado a fim de dar bons frutos. Esse processo do plantio, que em linguagem edifica o processo de aprendizagem se inicia através de um input afetivo, principalmente na infância. Quando o cérebro está em desenvolvimento, as palavras de afirmação são ferramentas relevantes para assegurar a autonomia, autoestima e independência.
Para Henri Wallon, psicólogo, filósofo, médico e político francês, a afetividade surge antes do desenvolvimento da inteligência e, ainda, a afetividade e cognição não se dissociam, mas agem simultaneamente em várias atividades. Em certos momentos desse desenvolvimento há o predomínio da afetividade, e em outros, da cognição, mas sempre de maneira integrada.
Segundo Piaget (1996), o conhecimento ocorre através interação entre o sujeito e o objeto (estudo). A aprendizagem se dá como resultado da interação entre a afetividade, interesse e motivação para a aprendizagem. Piaget afirma que a emoção influencia positiva ou negativamente os processos de aprendizagem, acelerando ou atrasando o desenvolvimento intelectual.
O que acontece no cérebro com as emoções que influencia o aprendizado?
Os sentimentos positivos liberam hormônios e neurotransmissores que provocam alterações no funcionamento dos nossos órgãos, e também em nosso humor, emoção e no pensamento, aumentando assim a sensação de bem-estar. Por sua vez, os sentimentos negativos, assim como a ansiedade e a angústia, podem criar um bloqueio e impedir a aprendizagem.
O conteúdo emocional das memórias também afeta a maneira como estas são armazenadas e evocadas. Evidências apontam que os eventos emocionais são lembrados mais claramente, com precisão e por período de tempo mais longos do que os eventos neutros, ou seja, retemos muito mais as situações cheias de emoções, quer seja negativa ou positiva.
A memória emocional parece envolver a integração de uma complexidade de redes neurais cognitivas e emocionais, nas quais a ativação da amígdala aumenta o processamento de estímulos que estimulam a emoção e também modula a consolidação da memória. Da mesma forma, a ativação do córtex pré-frontal aumenta a processamento estratégico e semântico, que afetam a memória e os funções cognitivas como um todo.
A aprendizagem nada mais é do que uma junção de muitos estímulos extrínsecos e intrínsecos processados pela atenção, memória, interesses, desejos, que permeiam a mente e o cérebro humano. Portanto todos esses fatores devem estar em sintonia e devem ser estimulados de maneira saudável e equilibrada para que o aprendizado ocorra. Qualquer interferência afetará este processo. Há uma correlação forte entre um ambiente rico de estímulos e o aumento das sinapses (conexões entre as células cerebrais).
O cérebro possui um sistema dedicado à motivação e à recompensa. Quando uma criança é afetada positivamente, as áreas de prazer recebem uma dose de dopamina, substância que aumenta o bem-estar e mobiliza a atenção. Quanto mais motivados e interessados em determinada atividade, mais dopamina é liberada e mais facilmente as atividades serão lembradas. Ou seja, dali em diante, a ação ou objeto que proporcionou essa sensação alegre será reforçada e a criança vai querer repeti-la. Já a criança que não encontra prazer no aprendizado registra menos retenção de conteúdo e consequentemente baixos níveis de desempenho – nestas pessoas os níveis de dopamina também são mais baixos. O efeito do prazer por sua vez não ocorre quando a tarefa a ser cumprida é fácil demais e não há desafio. Atividades muito difíceis, que ultrapassam a base de conhecimento prévio das crianças naquele momento, também serão abandonadas, pois o cérebro não encontra o prazer do sistema de recompensas.
Qual o papel do educador?
A primeira tarefa do educador é gerar conexão com o aluno, através do interesse genuíno pela sua pessoa, criando um ambiente propício para uma relação afetiva. Essa relação afetiva possibilitará que o aluno continue selecionando sua atenção e processando as informações de forma a codificá-las e armazená-las eficientemente.
Uma relação de confiança entre o professor e o aluno, incentiva o aprendiz a não ter medo de cometer erros e por consequência se arriscar em novas descobertas. A partir do momento em que o aluno se sente capaz de aprender, ele abre sua mente para a curiosidade buscando soluções. E quanto mais tentativas, mais chances de acerto. A memória e a concentração operam mais livremente em ambientes com menos julgamento.
Quando a relação entre educador e educando é saudável, o aprendizado se torna mais eficiente e passa apresentar maior engajamento de ambas as partes. Ter uma boa convivência dentro e fora da sala de aula é fundamental para garantir um ambiente saudável e de aprendizado. Mas caso haja relações conflituosas e de tensão, sabe-se que o aprendizado será diretamente afetado.
Efeitos da negligência e privação no aprendizado
Pesquisas conduzidas em Yale e Harvard constatam que crianças privadas de afeto apresentam, entre outros prejuízos, alterações no funcionamento de áreas cerebrais associadas ao processamento das emoções. As relações traumáticas e de negligência podem interferir negativamente no processamento da atenção, já que o sistema de alerta permanece sempre ativo e cheio de emoções negativas.
Um ambiente hostil, cheio de medo, raiva e ameaça, provoca reações negativas no cérebro. A região do cérebro, responsável pelo processamento das emoções, denominada amígdala, responde às ameaças percebidas, bloqueando o fluxo de informações para os centros de aprendizagem do cérebro, embaralhando os circuitos neurais, impedindo assim a concentração e que a aprendizagem ocorra. Ameaças, stress e punições terão impactos negativos no desenvolvimento cognitivo da criança.
Ambientes de constantes frustrações causam também um aumento no nível de cortisol, hormônio do estresse, que elevada a chance de morte de células cerebrais no hipocampo, que é imperativo para a formação da memória. Em suma, para obtermos um bom desempenho cognitivo, é preciso que haja interação de afetividade positiva, confiança, autoestima e entusiasmo com o processo de ensino-aprendizagem.
Mensagem final para os educadores e famílias
Além de ser extremamente prazerosa a troca de afeto, ela influenciará não apenas o temperamento e a personalidade da criança, mas também no seu potencial de crescimento cognitivo. O desenvolvimento neuropsicológico depende do estabelecimento de vínculos fortes e positivos. Por isso a importância de oferecer à criança um cuidado responsivo, amoroso e estimulador.
Alguns minutos de conexão verdadeira, bom humor, escuta genuína, palavras de apoio e reconhecimento frente à insegurança, o olho no olho na hora de encorajar, uma um sorriso de incentivo reconhecendo os sentimentos quando tudo dá errado pode fazer toda a diferença. São gestos corriqueiros e aparentemente despretensiosos, que ajudarão o aprendizado e a firmação de crianças felizes e empáticas em todas as relações sociais.
Bibliografia:
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