As habilidades na infância são tema gerador de inúmeras polêmicas entre os estudiosos do desenvolvimento infantil. Considerando os inúmeros fatores que influenciam o seu desenvolvimento, destacamos o fator ou componente genético como responsável por aproximadamente 70% da condição de uma criança para determinada habilidade. Dessa forma, compartilho das idéias dos Nativistas, cuja teoria postula que as habilidades inatas fluem muito naturalmente, restando então 30% para um ambiente facilitador propiciar experiências e aprendizagens.
Observando diariamente alguns bebês, poderemos diferenciar, muito precocemente, as suas características de funcionamento, assim como suas preferências. Alguns são mais parados corporalmente e atentos a estímulos visuais e auditivos; outros mais ativos corporalmente e mais curiosos para a exploração do que para a observação. Uns falam mais cedo, outros caminham mais tarde. No decorrer, digamos, dos 5 primeiros anos existirão inúmeras trajetórias. Mas, se tudo ocorrer normalmente, sem acidentes ou incidentes, por que alguns serão mais rápidos para correr, e outros mais rápidos para pensar?
O que dizer das crianças que sofrem privações das mais variadas, mas correm, saltam e usam o corpo com tanta desenvoltura?
Os empiristas dizem que todo o conhecimento provém da experiência. Aqueles que nascem com uma componente genético favorável à cinestesia corporal deverão seguir com facilidade, aprendendo técnicas para os esportes e desempenhando seu dia-a-dia naturalmente.
Aqueles mais ligados ao pensamento e à linguagem e mais parados motoramente, não fosse muitas vezes pela insistência dos pais e pelo currículo escolar, dariam tudo para passar por uma bola sem precisar chutá-la, se possível não andar de bicicleta e, escrever, muito menos. Desenhar pra quê? Eu não gosto!
É preciso entender e aceitar as diferenças que, nos primeiros anos de vida até a adolescência, serão um grande diferencial, mas que, ao chegar à idade adulta, às vezes pouco significam. A pessoa livra-se de todas as cobranças relativas ao seu desempenho motor, seguindo uma carreira na qual quase não utilizará tantas habilidades motoras. Escolhe uma profissão mais intelectualizada, faz uso do computador, e o resto terceiriza.
Voltando para os nossos pequenos, sabemos que não existe uma programação prévia, por parte dos pais, em relação ao componente genético. Todos torcem por um bebê lindo, saudável e inteligente. Mas a criança não vem dotada de todos os tipos de inteligência. Então, resta ao fabricante (pai-mãe) tolerar, aceitar e ajudar. Como?
Se investirmos, cada vez mais, naquilo que a criança já traz como bagagem, naquelas áreas nas quais é naturalmente bem sucedida, ela ficará cada vez melhor apenas nesses aspectos. Aquilo que não gosta, ela tenderá a fazer cada vez menos.
O tempo vai passando, e o atraso fica maior. A criança, principalmente na escola, é convidada a desempenhar atividades com seus colegas, mas seu desempenho não corresponde ao desejado. Paralelamente é preciso ser criativo e lutar dramaticamente contra os atraentes brinquedos, que pouco oferecem no que se refere ao exercício das funções motoras e que raramente têm o que explorar depois que abrimos a caixa.
É necessário que pais, educadores e profissionais ofereçam materiais criativos, com os quais possamos lutar contra as inabilidades da criança até torná-la hábil. Trocar a birra negativista pela luta otimista. Lutar com vontade e repetidamente. Colocar sentido na construção de maquetes e objetos, tolerando que os primeiros trabalhos não sejam os melhores. É preciso repetir, tentar, frustrar-se até ter o controle da qualidade.
As próprias aprendizagens informais como passar geléia no pão, mexer o Nescau, servir-se nas refeições (desde que os pais permitam) são imprescindíveis. Todos perdem muito quando priorizam a limpeza e a organização da mesa, não tolerando alguns ou muitos grãos de arroz dispersos ou um suco derramado pelo ambiente. Todas as tentativas do dia-a-dia são válidas.
Entretanto, a concorrência com a informatização é muito grande. Não conheço uma criança com dificuldades motoras ou transtorno grafomotor que não ame videogame, computador e que não jogue com sucesso. Recortar, colar, escrever, desenhar exigem praxias totalmente diferentes daquelas necessárias para acionar um botão ou usar o teclado. As primeiras necessitam o controle do gesto, independização de movimentos dos dedos em relação à mão, punho, antebraço e braço, além do controle da força.
A segunda é somente o ato de apertar, acionar e teclar. A sensação de pilotar uma máquina, através dos jogos eletrônicos, tende a desenvolver o prazer para aqueles que não o têm naturalmente. Acontece que, no dia-a-dia, necessitamos que a força, o controle e a destreza estejam em nós mesmos.
A criança precisa manusear, repetir movimentos, principalmente porque vive num mundo cada vez mais descartável, onde se usa e se coloca quase tudo fora, onde se enjoa fácil de tudo e de todos.
É difícil acreditar que a quantidade e a repetição dos movimentos adequados torna-os mais hábeis. Penso que vale a pena tentar.
É possível fazer em casa objetos e brinquedos com caixas de papelão (nas quais chegam as tevês, as geladeiras, o computador, etc…); recortar nelas portinhas e janelas, fazer passagens secretas entre elas. Pintá-las, misturando tintas com rolos e pincéis, decorá-las por dentro e por fora. Isso se pode fazer numa área de serviço. Criar materiais, transformar aquilo que é neutro e sem forma em peças cheias de significado. Tente, seu filho, ou seu paciente, vai agradecer.
Referências:
MACHADO, Marina Marcondes. O brinquedo –sucata e a criança: a importância de brincar, atividades e materiais, editora Loyola.
Este texto foi escrito para Plenamente por Jaqueline Gazola que é Psicomotricista e Psicopedagoga Clínica, professora de Avaliação Psicomotora da Faculdade Porto-Alegrense de Educação, Ciências e Letras, foi coordenadora e supervisora de Psicopedagogia durante 15 anos do CEAPIA (Centro de estudos, Atendimento e Pesquisa da Infância e Adolescência) em Porto Alegre, RS.