Saber como aceitar a morte é um verdadeiro desafio em todas as culturas. Não lidamos bem com a morte e, por isso, a perda de uma pessoa querida pode ser o desencadeante de inúmeros problemas. Ao mesmo tempo, quando conseguimos ressignificar nossas perdas, podemos crescer e desenvolver resiliência para a vida.
Na verdade, não existe um período definido para superar a perda de alguém, isso depende de cada pessoa, do modo como ela enfrenta e aceita a situação. Em outras palavras, não há um ‘prazo de validade’ para lidar com o luto. Para alguns pode demorar meses, para outros, anos.
Sabe-se que o primeiro ano depois da perda é sempre mais difícil, por passar datas especiais sem a pessoa pela primeira vez, como o primeiro Natal, Finados, aniversários, Dia das Mães, Pais, entre outros.
Modelo do Processo Dual do Luto
A psicóloga da Clínica Plenamente, Claudia Petlik Fischer, com Aprimoramento em Luto pelo Instituto 4 Estações, traz a discussão do tema o Modelo do Processo Dual do Luto, de Stroebe e Schut (1999), que enfatiza o processo de enfrentamento para a compreensão do processo de luto. O processo de adaptação e construção de significado ocorre a partir do:
– Enfrentamento orientado para a perda;
– Enfrentamento orientado para a restauração;
– A oscilação entre um e outro.
Este é um processo cognitivo de enfrentamento da perda que consiste em construir estratégias e estilos de gerenciamento da situação de luto. Para os autores, se o enfrentamento começa a acontecer desde o início, os danos à saúde física e mental são reduzidos, Isso inclui todas as tarefas de vida da pessoa em luto, desde voltar a ler um livro, conversar com amigos, viajar.
Entenda como enfrentamento (tradução do original, em inglês, “coping”) o conjunto de estratégias para lidar com algo que é percebido pelo indivíduo como uma ameaça iminente, como uma sobrecarga às suas capacidades cognitivas e comportamentais (Folkman, Lazarus, Gruen & DeLonguis, 1986). As estratégias de enfrentamento ajudam a pessoa a adaptar-se à situação vivenciada e estas respostas administram a crise para tolerá-la e diminuir o estresse ocasionado.
O enfrentamento orientado para a perda enfoca a busca pela pessoa perdida e está centrada nos aspectos relacionados à pessoa falecida: laços afetivos, negação e evitação da realidade da morte, bem como, a aceitação da realidade da perda, elaboração do luto, rememorar, ver fotografias, falar sobre o ente querido morto, lembrar da sua proximidade. Também podemos incluir nesse enfrentamento a ruminação, ou seja, ponderar sobre como seria a vida se ele não tivesse morrido e as circunstâncias e eventos diante da morte. Engloba a saudade e também como ele reagiria se estivesse vivo em determinado evento. Chorar pela morte também está no enfrentamento voltado para a perda.
O enfrentamento orientado para a restauração refere-se aos ajustamentos relacionados à perda e que constituem fontes de estresse com as quais as pessoas em situação de luto precisa lidar, como responder às mudanças de reorganização da vida após a morte do ente querido, ou também, quando o enlutado precisa assumir as tarefas que eram realizadas pela pessoa que morreu. Lidar com os arranjos da vida sem alguém e retomar as próprias tarefas do dia a dia, fazer coisas novas, se distrair é importante. Vale lembrar que se divertir não é trair o morto, é parte da vida, e o enlutado tem o direito de sorrir.
A oscilação é a alternância entre um e outro. Em um momento a pessoa está voltada para a perda e em outro ela está voltada a restauração. A oscilação é um processo necessário. Quem fica apenas na orientação voltada para a perda ou apenas na orientação voltada para a restauração não está elaborando um luto saudável.
A pessoa que permanece excessivamente voltada para a perda, tem mais dificuldade na elaboração do luto. Já quem fica excessivamente voltado para a restauração, não entra em contato com a perda, evitando sentimentos voltados à perda, acreditam que entrar em contato com esses sentimentos seja insuportável.
A oscilação é saudável, ela é necessária para que possa haver uma reorganização diante da nova realidade, a construção de um novo mundo presumido, abalado com a perda do ente querido.
Quais os efeitos da perda na saúde mental?
O luto em si, não é um transtorno de saúde mental, mas se o processo não for bem enfrentado, a dor pode se tornar muito intensa, podendo virar um processo patológico.
Os efeitos atingem corpo e mente, os mais comuns são:
- Sentimentos confusos;
- Crises constante de choro;
- Dificuldade de seguir uma rotina;
- Sensação de fragilidade;
- Sensação de que a dor não vai passar nunca.
É necessário ficar atento ao tempo que esses impactos persistem até para chegar à fase da aceitação. Nesse momento, a pessoa aprende a conviver com a saudade e volta a ter qualidade de vida.
Relações entre luto e neurociências a partir de emoções
Visto que o processo de luto pode causar dificuldades ao enlutado, em alguns casos é importante uma intervenção a fim de evitar consequências mais graves. Dessa forma, a neuroplasticidade é uma aliada importante nesse processo de luto, uma vez que permite o rearranjo das conexões sinápticas do sistema nervoso, tão importante para o retorno à vida normal. (BRANDÃO, 2012).
Brandão (2012) explica ainda que a plasticidade são modificações funcionais e estruturais nas sinapses como um resultado da adaptação do organismo ao meio. Dessa forma, a plasticidade pode modular o comportamento, como por exemplo, quando perdemos um ente querido.
Portanto, a investigação da plasticidade do cérebro pode ser um caminho para moldar o circuito das emoções nesse processo de luto de uma pessoa a fim de promover um processo que não a afete de uma forma patológica e que busque por novas significações (CORDEIRO, 2014).
Parkes (1998b) sugere que é vital que os enlutados encontrem o equilíbrio entre os dois extremos, que são o de evitar de pensar no luto e confrontá-lo, a fim de que, aos poucos, passe a aceitar a perda e retomar a sua rotina.
Recentemente, li um livro da neurocientista e psicóloga Mary-Frances O’Connor, PhD, The Grieving Brain, que se dedica décadas à pesquisa dos efeitos do luto no cérebro, que demonstra como codificamos o amor e o luto. Com amor, nossos neurônios nos ajudam a criar vínculos com outras pessoas; mas, com a perda, o nosso cérebro tem de aceitar para onde foram os nossos entes queridos ou como imaginar um futuro que englobe a ausência deles.
De acordo com O’Connor, o luto é um processo de aprendizado ou reaprendizado, da diferença entre o mundo como você o conheceu com a pessoa amada e o novo mundo sem a pessoa amada nele. Segunda a autora, a neuroplasticidade envolvida na aprendizagem de coisas novas pode ajudar na aprendizagem necessária no luto.
Você pode buscar diversificar as atividades, identificando novas possibilidades de interesse e desenvolvimento de habilidades que gerem satisfação e prazer. Fazer um planejamento objetivo dessas atividades permite que elas sejam “concretizadas” no papel, o que facilita a implementação prática.
Voltando ao Modelo Dual do luto, ao aceitar a realidade da perda, a pessoa aceita que o seu mundo foi transformado. O enlutado experimenta a dor da perda e também tem tempo livre para outras atividades que necessitam ser realizadas.
Para algumas pessoas, a retomada das atividades pode ocorrer de forma mais rápida, como uma maneira de se conectar com outras pessoas e se ocupar de modo saudável, mas há quem necessite de um tempo maior para isso. Entenda seu próprio tempo e não se culpe.
Um processo de luto é bem-sucedido e finalizado quando a pessoa consegue superar a perda e seguir em frente. Não é que ela vai esquecer o ente querido, pois as lembranças e a ausência continuarão. Entretanto, a perda não vai mais ocupar um lugar de destaque.
“A morte e a vida não são contrárias, são irmãs. A “reverência pela vida” exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir”. Rubem Alves.
Colaboração: Mônica Merlini
Bibliografia:
CORDEIRO, M. D. S. et al. Diálogos entre a neurociência e a psicologia, com foco no luto: um estudo bibliográfico. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2014.
BRANDÃO, Marcus L. Psicofisiologia – 3 ed. São Paulo: Editora Atheneu, 2012.
Folkman, S., Lazarus, R. S., Gruen, R. J., & DeLonguis, A. (1986). Appraisal, coping, health status, and psychological symptoms. Journal of Personality and Social Psychology, 50 (3), 571-579.
PARKES, C. M. Luto: estudos sobre a perda na vida adulta. São Paulo: Summus, 1998
Stroebe, M; Schut H. The dual process model of coping with bereavement: rationale and description. Death studies, v. 23, p. 197-224, 1999