Uso eventual da maconha também aumenta riscos de depressão e suicídio em adolescentes. Maria Alice Fontes

A visão sobre a maconha tem mudado ao longo das décadas, e cada vez mais adolescentes têm visto o uso da cannabis como não nocivo.

Contudo, pesquisadores da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, mostraram recentemente uma relação entre o consumo de maconha por adolescentes e o desenvolvimento de depressão e o aumento de suicídio na idade adulta. 

A adolescência é uma fase crítica para o desenvolvimento do cérebro, e o sistema endocanabinóide tem um papel importante neste desenvolvimento. Compreender como o uso da maconha pode afetar os adolescentes é fundamental, uma vez que ela é a substância ilícita mais amplamente utilizada entre os adolescentes e a principal razão para tratamento nessa faixa etária.

Ter depressão ou tendência suicida pode levar os adolescentes a usar maconha como forma de aliviar seu sofrimento. Ao mesmo tempo, o uso de maconha provavelmente piora os sintomas depressivos e suicidas”, pontuou Ryan S. Sultan, psiquiatra da Columbia University, New York e pesquisadora principal do estudo.

Os pesquisadores analisaram aproximadamente 70 mil adolescentes com idade entre 12 e 17 anos, que participaram da Pesquisa Nacional sobre Uso de Drogas e Saúde, entre 2015 e 2019, que coleta, anualmente, dados sobre tabaco, álcool, drogas ilícitas e saúde mental nos EUA.

Os resultados mostraram que 1 em cada 10 adolescentes eram usuários eventuais de maconha e aproximadamente 1 em 40 preencheram os critérios para dependência, que incluem incapacidade de reduzir o consumo, desejos constantes pela droga e problemas sociais e de relacionamento.

Além disso, os usuários eventuais da droga tinham uma probabilidade de 2 a 2,5 vezes maior de ter problemas adversos de saúde mental e distúrbios comportamentais, em comparação com os adolescentes que não usavam maconha. Já os jovens que atendiam os critérios para dependência tiveram 3,5 a 4,5 vezes mais chances de ter esses problemas.

Assim, adolescentes que usam maconha, mesmo de forma recreativa, têm de duas a quatro vezes mais risco de desenvolver distúrbios psiquiátricos do que os jovens que não usam a droga.

De acordo com os autores do estudo, o uso recreativo da cannabis tem claras associações adversas e prejudiciais para adolescentes como problemas cognitivos, de comportamento, incluindo baixo desempenho acadêmico, evasão escolar e delinquência. 

Impacto da maconha no cérebro adolescente

O uso de maconha na adolescência está associado à dificuldade de raciocínio, resolução de problemas e memória reduzida, bem como ao risco de dependência de longo prazo. 

Um estudo nosso (Fontes, MA) publicado no British Journal Psychiatry de 2011, já mostrou que o uso precoce da maconha afeta as funções executivas do cérebro, representando um risco particularmente alto nessa faixa etária, quando o cérebro ainda não amadureceu.

Uma vez que o adolescente integra o consumo da droga à sua rotina, a sensação natural de prazer oriunda de situações comuns, perde força. Nessas circunstâncias, ele fica inclinado a recorrer à maconha, que se torna uma espécie de fonte artificial de felicidade diante de qualquer acontecimento simples.

Quanto mais se usa a maconha, mais o indivíduo se torna refém desse artifício para obter prazer. A longo prazo, a escassez de alegria aumenta e é acompanhada do isolamento social e da síndrome amotivacional, e nos casos mais graves, a possibilidade de depressão. 

Portanto, mesmo o uso eventual deve ser evitado, a fim de diminuir as possíveis consequências nocivas como, por exemplo, a síndrome amotivacional. 

Relação do uso esporádico da Maconha e o Controle das emoções e à motivação

Um outro estudo americano, esse de 2014, “Cannabis Use Is Quantitatively Associated with Nucleus Accumbens and Amygdala Abnormalities in Young Adult Recreational Users”, publicado no periódico The Journal of Neuroscience, já havia mostrado que uso esporádico de maconha pode afetar regiões cerebrais relacionadas ao controle das emoções e à motivação

Os autores utilizaram ressonância magnética para comparar o cérebro de usuários de 18 a 25 anos que consumiam maconha pelo menos uma vez por semana com o de pessoas com pouco ou nenhum histórico de uso da droga. Embora avaliações psiquiátricas tenham mostrado que os participantes não eram dependentes da droga, mesmo assim as imagens de seu cérebro mostraram diferenças significativas. 

O núcleo accumbens, região do cérebro ligada ao sistema de recompensa e motivação, estava aumentado e com formato e estrutura alterados nas pessoas que usavam a droga. Os pesquisadores concluíram que, quanto mais intenso o uso, maiores as mudanças no cérebro. 

Podemos perceber que ambas pesquisas sugerem que o uso esporádico da maconha pode causar mudanças funcionais e na anatomia do cérebro e levantam questões sobre a necessidade de reavaliar a flexibilização de alguns países sobre o uso de substâncias, assim como desmistificar o conceito de que o uso ocasional da droga não está associado a consequências ruins, em especial, naqueles que estão em formação como os jovens. 

Colaboração: Mônica Merlini

Fontes: 

https://jamanetwork.com/journals/jamanetworkopen/fullarticle/2804450 

Fontes  MA, Bolla  KI, Cunha  PJ,  et al.  Cannabis use before age 15 and subsequent executive functioning. Br J Psychiatry. 2011;198(6):442-447. doi:10.1192/bjp.bp.110.077479

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/21628706/

https://www.jneurosci.org/content/34/16/5529.short