O que é a adoção de um filho?
A adoção é um contrato que liga pessoas para formarem um novo núcleo familiar. Neste acordo social, psicológico e jurídico, os pais adotivos aceitam como filho determinada pessoa que não possui laços consanguíneos, de modo definitivo e irrevogável.
Segundo os estudos, receber um filho adotivo é um processo que se assemelha à chegada do filho biológico. No processo de adoção, questões emocionais, restruturação familiar, mudanças na vida do casal, reorganização da vida são aspectos que estão envolvidos quando uma pessoa ou um casal decidem pela maternidade e paternidade.
Paiva (2004) cita Dolto dizendo que é impossível que um ser humano se torne filho de alguém sem que um desejo e um amor estejam associados. A criança que chegará, seja ela biologica ou não, é pensada, imaginada e desejada muito antes que esteja na presença dos pais. A forma como cada criança é desejada traz consigo marcas que ela levará ao longo da vida.
O que quer dizer a adoção ser definitiva e irrevogável?
De acordo com a Lei Nacional da Adoção (Lei n. 12.010, de 3 de agosto de 2009) e com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990), o processo de adoção, inclui medidas que garantem as necessidades e interesses da criança ou adolescente, e ela só será concretizada quando esgotadas todas as alternativas de permanência na família de origem. Portanto, a adoção é uma medida excepcional e irrevogável, porque depois de concluída não pode ser desfeita e implica a perda do poder familiar dos pais biológicos e confere à criança os mesmos direitos que aos filhos biológicos.
Quais são os requisitos para uma adoção?
A adoção é deferida quando apresenta vantagens para o adotando e quando se funda em motivos legítimos. Há vários requisitos estabelecidos por lei para que se configure uma adoção. No caso dos pretendentes, há um processo de habilitação que envolve várias questões burocráticas, entrevistas com psicólogos e assistentes sociais, período probatório de convivência com a criança entre outros procedimentos. No caso das crianças e adolescentes, o ECA estabelece que seja considerada a opinião dos mesmos e que os pais biológicos, se forem conhecidos, autorizem a adoção.
A adoção legal no Brasil é muito lenta e acontece somente depois que o pretendente passa por todo pelo processo de habilitação nas varas da família e da infância. Depois desse processo, o pretendente está inserido no Cadastro Nacional de Adoção, que tem validade em todo território nacional. Após uma detalhada conjunção de dados cadastrais, tanto do adotante quanto do adotado, ocorrerá a aproximação vincular entre a criança que está destituída dos pais biológicas e que no momento tem o Pátrio Poder pertencente ao Estado para início propriamente dito de vinculação.
Existem vários tipos de adoção e os advogados especializados em adoção e família, são os profissionais melhores habilitados para descrever as modalidades que devem ser adotadas em cada caso.
Quais são algumas das questões emocionais que envolvem a adoção?
Segundo Bowlby (2015), os bebês têm uma predisposição biológica para colocar o genitor numa posição de consolo e proteção quando estão angustiados, como uma base segura a partir da qual possam explorar o ambiente. À medida que as crianças se desenvolvem, formam representações mentais ou modelos internos de funcionamento com base em suas experiências com seus cuidadores. Se as crianças tiveram experiências positivas com pais, continuarão a confiar neles, revelando suas aflições e sendo tranquilizadas pelo contato com eles, o que é definido por Ainsworth como padrões seguros de apego. Em contraste, pais insensíveis rejeitam as solicitações de reasseguramento dos filhos, e outros pais oferecem uma disponibilidade inconsistente. Os filhos desses pais desenvolvem relações inseguras de apego, seja evitando-os, seja resistindo a eles passivamente ou com raiva. Apegos seguros na primeira infância predizem melhores resultados de desenvolvimento em fases posteriores da infância, por exemplo, competência social, ao passo que apegos inseguros predizem resultados menos satisfatórios.
Bowlby cita os experimentos de Heineck & Westheimer (1966) que observaram que crianças separadas de suas mães apresentaram dois tipos de distúrbio do comportamento: o desligamento emocional em que a criança parece não reconhecer a figura de ligação e o reatamento do vínculo se dá de forma lenta e gradual. E o comportamento de implacável exigência de estar perto da mãe demonstrando comportamento hostil e desafiando a paciência da mãe para que ela se mantenha próxima.
Com base na teoria do apego de Bowlby programas para a promoção e prevenção de relações de bases seguras podem ser desenvolvidos de forma a melhorar os resultados de desenvolvimento de crianças que correm o risco de resultados insatisfatórios, especialmente com crianças que viveram alguma forma de abandono. O ideal é que a figura que se encarregará dos cuidados da criança esteja disponível e pronta para atender as solicitações da criança.
Quais são as motivações para adotar?
A motivação para adotar precisa sempre ser tratada no percurso emocional dos pais. Pode ser um desejo legítimo de se tornar pai ou mãe e para cada envolvido esse desejo de cuidar e de proporcionar o desenvolvimento social, psicológico e emocional de um ser-humano é absolutamente singular. É perfeitamente comum que os pais tenham preferências sobre sexo, idade e características físicas. Durante o processo de adoção esses aspectos precisam ser levados em consideração pois a vinculação se realiza mais tranquilamente se os pais puderem se relacionar com uma criança real e não com a idealizada.
A motivação para adotar pode ser ainda, uma forma de negar sentimentos de impotência, fazendo da adoção uma estratégia para se distanciar destes núcleos que trazem angústia. Não realizar o luto pela infertilidade por exemplo, pode acarretar dificuldades em aceitar e receber a nova criança que chegará à família.
Quando e como contar para a criança sobre a adoção?
Peiter (2011), defende que frente às marcas que o abandono pode ter causado, a história pregressa da criança deve ser assimilada pelos pais e contada com tranquilidade, pois a forma como os pais lidam com essa história da criança ajuda ou dificulta o processo de elaboração do abandono.
Segundo Hamad (2002), a criança que foi adotada pode querer saber de sua história pregressa ou não. Ele orienta que os pais deixem o que chama de álbum narrativo, com fotos do dia da chegada da criança, recortes de jornais do dia da adoção, como um objeto que pode ser manipulado pela criança e que a história pregressa seja contada de forma suficiente, na medida que a criança consiga escuta-la. Ele lembra que ainda que a história da adoção circule na família com naturalidade, a criança ainda pode criar fantasias a respeito da sua história o que é perfeitamente normal.
Segundo estudos de Weber, à medida que a criança vai se desenvolvendo, ela vai demonstrando interesse quanto à origem da vida, geralmente entre três e seis anos. No entanto, crianças podem ser preparadas quanto à adoção antes mesmo de completarem três anos de idade, aumentando a complexidade dos detalhes e da linguagem aos poucos.
Antes dos três anos, a criança entende tons de voz que indicam emoções antes mesmo de compreender o conteúdo, portanto o controle emocional é importante para que ela associe a adoção como uma situação positiva e com a qual seus cuidadores ficam alegres e orgulhosos em contar.
Já entre três e seis anos de idade é comum as crianças questionarem sobre a sexualidade, sobre como nascem os bebês, de onde ela veio, entre outros fatores, motivo pelo qual se recomenda que as conversas sobre adoção tenham iniciativa dos pais gradualmente e o quanto antes. Cabe também demonstrar empatia caso a criança verbalize que gostaria de ter nascido da barriga da mãe adotiva.
É possível que seja necessário abordar o assunto mais de uma vez pois, conforme o seu desenvolvimento físico e cognitivo, a criança passa a compreender de modo mais profundo a questão.
Entre sete e doze anos metáforas como “filho do coração” não são mais suficientes, pois as crianças conseguem compreender com mais profundidade os conceitos que cercam a adoção. Nesse momento, é possível lançar mão de recursos como livros e vídeos. Com a maior compreensão da criança, também pode haver maior desconforto dos pais quanto à abordagem do tema. Evitar questões ou dar respostas confusas pode deixar transparecer que o tema é embaraçoso fazendo com que tais conversas sejam evitadas pelo filho adotivo, o que é prejudicial a seu processo de adaptação à adoção.
Na adolescência os filhos também podem fantasiar sobre a origem dos pais biológicos, desejar mais detalhes, querer entrar em contato com eles ou apenas conversar sobre isso. É natural querer buscar referências passadas para conhecer a si mesmo para formular uma identidade. Isso não significa necessariamente perda ou abandono dos pais adotivos, desgaste dos vínculos, desobediência ou possibilidade de reversão da adoção.
A maneira de lidar com a adoção vem mudando com o passar do tempo, sendo praticamente inconcebível atualmente a revelação tardia. Pesquisas tem revelado os efeitos nefastos ao desenvolvimento psicossocial de crianças que souberam de suas origens por outrem, tardiamente ou de modo inadequado. Dúvidas muitas vezes são mais devastadoras do que a verdade e a preparação gradual, pode atenuar danos, sendo sempre a melhor opção.
O apoio emocional da familia
É importante que os avós, tios, primos, e amigos próximos adotem a criança juntamente com o casal ou com o adotante porque além de serem um apoio emocional durante todo o processo, a familia e o círculo social mais próximo autoriza os pais a inscreverem a criança na história e na genealogia familiar e ajudam a lidar com o sentimento de culpa que pode existir por não terem transmitido os genes familiares para a nova geração, ajudando ainda a superar a culpa pela infertilidade se ela existir.
Quais as crenças envolvidas na adoção?
Crianças adotadas são como qualquer outra criança, ou seja, não estão mais expostas a maiores dificuldades psicológicas do que outras crianças. Há, sem duvida, uma herança genética, mas há também tudo aquilo que os pais adotivos forneceram do ponto de vista ambiental para a criança ou adolescente.
As pesquisas demonstram que a condição de ser filho por adoção, influencia as práticas educativas porque há a crença em muitos pais que a adoção seja um fator de risco. Após intervenções, observou-se o reconhecimento do papel das interações familiares para o desenvolvimento e manutenção dos comportamentos dos filhos e o desmitificar a adoção como causa ou explicação dos comportamentos dos filhos.
Se a agressividade da criança é atribuída ao fato de ser adotiva, deve-se atentar também para os eventos ambientais, que possivelmente podem explicar melhor o motivo de tal comportamento e apontar na direção de como se deve agir para modificá-lo. Algumas pesquisas têm demonstrado, por exemplo, que um ambiente cheio de punição pode favorecer o desenvolvimento de comportamentos inadequados, agressividade e até mesmo delinquência (Pacheco, &Hutz, 2009; Sidman, 1995). Em contrapartida, crianças que são criadas em lares com carinho, afeto e práticas parentais que favorecem a monitoria dos filhos, com pouco uso de condições punitivas, podem apresentar desenvolvimento saudável e conduta social adequada (Kazdin, 2010).
Monoparentalidade e a Homoparentalidade
A adoção de uma criança por uma pessoa única, sem ser um casal, não é em si um problema. A monoparentalidade somente se torna prejudicial se o adotante transmitir à criança uma imagem depreciada do sexo oposto ou das relações conjugais. A mesma ideia vale para casais homossexuais não havendo nenhuma contraindicação desde que esses pais não transmitam uma imagem distorcida a respeito do outro sexo e que tenham uma organização na distribuição dos papéis de cada cônjuge na família.
Segundo Levy (2013), para casais homoafetivos o maior desafio ainda é a aceitação social da orientação sexual que pode se somar ao preconceito relacionado à adoção que ainda pode existir. Uma das maiores preocupações destes casais é a escolha da escola optando por aquelas que lidem melhor com a questão. Ela afirma que as atividades parentais não são inerentes ao sexo do indivíduo, mas seu exercício depende de como o desejo de filho é construído e como é partilhado com o parceiro.Os papéis se organizaram em função da especificidade da relação estabelecida entre os membros do casal, entre estes e a criança, e entre a criança e cada um deles. O psicólogo pode ajudar a entender a estrutura do casal em sua especificidade, independentemente da orientação sexual ajudando com os vínculos e conflitos que podem acontecer antes, durante e após o processo de adoção.
Qual é o papel do psicólogo?
Segundo Weber, para mudar preconceitos em relação a adoção o caminho principal passa por identificá-los, falar deles, informar e mudar.
Antes da adoção o psicólogo deve escutar os pais ajudando-os a elaborar o luto pela infetilidade, se for o caso, e ajudar a decidir sobre a adoção instituindo um lugar terceiro, ou seja, um lugar de elaboração dos anseios, expectativas e medos em relação à criança que vai chegar e ao processo que levou os pais a tomarem a decisão de adotar a fim de promover um verdadeiro encontro.
A criança que chega não irá necessariamente corresponder aos ideais dos pais e talvez, os pais não se reconheçam nos problemas que aquela criança poderá enfrentar. Para que isso não se torne um entrave na relação, o psicólogo deve avaliar a capacidade do casal ou do adotante em ter empatia e ajudar a familia como um todo a desenvolver um vínculo que promova uma base segura para o desenvolvimento emocional da criança.
O psicólogo pode auxiliar também a criança desde a revelação e construção da história de sua origem, ajudando a modificar as crenças em relação à suposta rejeição. Pode também auxiliar na construção de vínculos duradouros e significativos, orientar na adaptação aos pais e a nova família.
Sendo assim, um acompanhamento psicoterápico individualizado seria recomendado para pessoas que desejam adotar filhos. Caso não seja possível, uma participação ativa em grupos de apoio à adoção pode ser bastante efetivo, tendo a função de prevenção de dificuldades e alívio da ansiedade, tão inerentes no processo de adoção, favorecendo trocas entre pessoas que vivenciam a mesma espera.
Referências Bibliográficas
BOWLBY John. Formação e Rompimento dos laços afetivos. São Paulo: Martins Editora, 2015.
HAMAD, Nazir. A criança adotiva e suas famílias. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2002.
LEVY, Lidia. O casal homoafetivo e a parentalidade. Casal e familia: transmissão, conflito e violência. CARNEIRO,Féres T. Org. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2013,(págs. 141-157)
PAIVA, Leila Dutra de. Adoção: significados e possibilidades. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
PEITER, Cynthia. Adoção. Vínculos e rupturas: do abrigo a família adotiva. São Paulo: Zagodoni, 2011.
WEBER, L.N.D. Da institucionalização à adoção: um caminho possível? Revista Igualdade – Ministério Público, Paraná, 1995, n. 9, págs. 1-9.
http://www.lidiaweber.com.br/Artigos/1996/1996Familiasadotivasemitossobrelacoesdesangue.pdf consultado no dia 30 de junho de 2017.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12010.htm
https://jus.com.br/artigos/29422/multiparentalidade-reconhecimento-e-efeitos-juridicos
https://sinobilino.jusbrasil.com.br/artigos/317655970/a-adocao-intuitu-personae-como-instrumento-de-consolidacao-do-principio-do-melhor-interesse-da-crianca-e-do-adolescente-sob-a-egide-da-lei-12010-09
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbtcc/v13n2/v13n2a04.pdf
http://analisedocomportamentouel.blogspot.com.br/2016/02/adocao-derrubando-mitos-e-buscando-as.html?m=1
http://lidiaweber.com.br/Artigos/1995/1995Dainstitucionalizacaoaadocaoumcaminhopossivel.pdf
http://psicoterapiacomportamentalinfantil.blogspot.com.br/2012/10/adocao-quando-e-como-contar.html?m=1