Por indicação de um advogado criminalista, recebo um cliente em meu consultório. Este se envolveu em um acidente com mortes há alguns anos e um processo criminal se instaurou. Ele chegou a ser preso mas, depois de meses, conseguiu o direito de responder em liberdade provisória. Ao fim, depois de alguns anos de processo, foi submetido ao Tribunal do Júri Popular.
Sabendo que o processo terminaria com um Júri Popular, foi indicado o acompanhamento psicológico pois o sofrimento dele era evidente. Após um primeiro contato pessoal houve empatia e interesse em seguir com sessões de psicoterapia semanal. Entretanto, como o paciente não morava na mesma cidade, iniciamos um acompanhamento que misturava sessões presenciais e à distância. O paciente seguiu também com acompanhamento psiquiátrico regular.
No período inicial dos atendimentos psicológicos foi possível identificar que a desesperança do paciente frente à vida era avassaladora. Deprimido, com muitos medos e falta de ânimo pela vida, ele passava seus dias num estado de paralisia psicológica e, mesmo fazendo uso de medicamentos, seu quadro não apresentava melhora.
O objetivo geral do tratamento foi ajudá-lo a enfrentar o longo período de espera pelo dia do julgamento e prepará-lo de forma que conseguisse depor e se defender satisfatoriamente durante o interrogatório. Durante este tempo, trabalhamos várias situações para que ele conseguisse voltar ao dia traumático do acidente e estivesse preparado para contar tudo o que havia acontecido sob sua perspectiva.
Desde o momento do acidente a imprensa noticiava de forma contundente, descrevendo o réu como um assassino e instigando a sua condenação prematura. Aos poucos, foi se constituindo uma série de acusações irresponsáveis através da mídia, onde todos queriam justiça a qualquer preço. Mas, qual seria a verdadeira justiça? O Tribunal do Júri Popular seria o momento onde o réu teria voz e oportunidade para fazer sua própria narrativa.
Trabalhamos durante o período de um ano à espera do Júri. Durante muitas sessões incentivei que ele resgatasse os próprios valores e convicções. Também promovia reflexões para que enfrentasse a dor como oportunidade de aprendizado e transformação pessoal. Sugeria exercícios com objetivo de trabalhar os pensamentos automáticos negativos de que ele não seria capaz de enfrentar o júri. Aos poucos foi acontecendo o fortalecimento do processo terapêutico, como uma incipiente mudança de crença, que veio acompanhada com a melhora emocional e a possibilidade de diminuição do uso de medicamentos.
Durante o processo terapêutico, ele era incentivado a vivenciar mais intensamente o seu o dia a dia e não apenas ficar restrito à massacrante espera. Seus papéis pessoais e familiares foram fortalecidos e, aos poucos, pode buscar alguns momentos de prazer, que ajudaram a reduzir a depressão. Quando a data do Júri foi marcada decidimos, entre o paciente e advogados, que eu acompanharia a preparação e o julgamento. Desta forma, o trabalho terapêutico seguiu em parceria com a equipe jurídica.
Este foi um momento muito importante pois, devido à estrutura de personalidade do paciente, existia um receio que ele tivesse um episódio de “congelamento” durante seu interrogatório e não conseguisse depor de forma satisfatória. Para enfrentar uma possível paralisia, pensamos em algumas estratégias. O trabalho psicológico aconteceu também durante algumas reuniões com os advogados, de forma a ajudar o paciente a se sentir mais seguro. Neste momento, já se notava uma equipe alinhada, procurando dar o suporte necessário para que ele enfrentasse o dia esperado.
Chegado o dia esperado. Ficou definido que, durante o júri, eu seria um apoio para a família do réu, seus filhos e cônjuge. O fato dele saber que eu estaria com sua família o deixou menos preocupado e com mais segurança para usar todos os seus recursos psicológicos consigo mesmo. Durante o júri, portanto, eu estive ao lado da família o tempo todo. Nos intervalos, os advogados solicitavam permissão ao juiz que, com atitude humanizada, autorizava para que eu pudesse dar apoio ao paciente na sala dos réus, onde ele permanecia com policiais, sem manter contato com outras pessoas. Estas intervenções de apoio ajudavam o réu a manter sua crença positiva que conseguiria enfrentar a situação, independente do resultado final.
Durante o Júri, ainda que não fosse o objetivo principal de meu trabalho, foi possível apoiar também os advogados, que mantinham seu trabalho com um nível de pressão bastante elevado. O resultado foi muito positivo. O Júri Popular absolveu o réu da acusação, o que causou uma grande comoção do tribunal. Após esta rica experiência pessoal, refletimos sobre as possibilidades do trabalho do psicólogo junto aos réus. O apoio psicológico pode ser um facilitador para que o réu possa exercer o seu direito de defesa, com a possibilidade de controle emocional, a partir de um longo trabalho de base.
O papel do psicólogo nesta situação se estendeu além do setting terapêutico, dando suporte ao paciente na condição de réu, à família e aos advogados. Importante registrar que, neste caso, o réu teve o benefício do apoio psicológico porque teve condições de arcar com este serviço. Considerando que todos têm direito à defesa e a presunção da inocência deve imperar, uma sugestão democrática, ainda que utópica, seria se o estado pudesse disponibilizar este serviço aos acusados e suas famílias.