Qual a identidade que estamos construindo através da roupa que vestimos? Qual a relação da nossa roupa com a autoestima? E com o grupo que nos cerca? O quê a nossa roupa tem a ver com as demandas da sociedade? A seguir, farei uma análise de como a moda está diretamente ligada com a psicologia e com o comportamento dos grupos.
As emoções, pensamentos e comportamentos levam as pessoas a se vestirem da forma como se vestem. As experiências que temos a partir das roupas e dos elementos que compõem nosso visual estruturam a nossa imagem pessoal, o que está diretamente ligado à formação da autoestima. A autoestima é o que sentimos a respeito de nós mesmos, os sentimentos e as emoções.
A nossa imagem pessoal não só influencia a forma como pensamos e sentimos a respeito de nós mesmos, mas também interfere em como as pessoas pensam e sentem a nosso respeito. Contribuindo assim, nessa via de mão dupla, para a construção do nosso autoconceito, da nossa identidade.
Desta forma, as roupas e acessórios são o elo entre os aspectos mais profundos do eu e a imagem externa que estamos produzindo. A mídia nos invade com imagens do que é belo de acordo com cada grupo ou sociedade. Assim, a influência do que vemos na internet, na TV e nas revistas direcionam o que deveria seria um visual ideal para a aceitação dentro de um grupo. Essa imagem que produzimos de nós mesmos determinam a relação de cada um consigo mesmo e com a sociedade.
Mas a moda não é apenas a expressão das tendências, ela representa a relação profunda de si mesmo e com os outros, com a pessoa que somos (eu real), com o que gostaríamos de ser (eu ideal) e com o que pensamos que devemos ser.
O quê a moda tem a ver com os grupos?
Biologicamente, até cerca de 25 anos de idade, os jovens estão num processo de desenvolvimento da identidade. Para isso, buscam se distanciar do núcleo familiar e se identificar com o seu grupo para depois formar casais, famílias e unidades autônomas.
Essas identificações acontecem através da música, dos interesses comuns e muito através da roupa. Cada turma ou tribo tem a sua vestimenta específica. Com isso, são identificados entre eles e pela sociedade, buscando o senso de pertencimento e importância. Cada roupa ou acessório, cada marca, só faz sentido em relação a um grupo de referência.
Com a moda sonhamos acordados e construímos em nossa mente as imagens que satisfazem nossos desejos, compensando nossas ansiedades: roupas, bolsas, sapatos e joias nos ajudam a enfrentar a realidade, a resolver conflitos e medos pessoais e perseguir algumas metas sociais para sentir-se integrado a um grupo.
Existem diferenças entre homens e mulheres?
No mundo da moda, a visão do gênero é um conceito fluido que permite que estudiosos que pesquisam sobre roupas e aparência entendam as relações de gênero mais do que homens e mulheres “vestindo suas partes” (Michelman e Kaiser, 2000), mas como um contínuo que não apresenta mais divisões tão rígidas.
Antigamente, a adoção de calças pelas mulheres representava um importante reajuste da definição de feminilidade, mas não necessariamente uma mudança no equilíbrio de poder existente (Paoletti e Kregloh, 1989).
Portanto, precisamos entender o significado das escolhas das roupas, independentemente do gênero. As escolhas das vestimentas podem afetar tanto a sua autoimagem, a impressão que você transmite aos outros e, por sua vez, a maneira como as pessoas se comportam em relação a você.
As roupas podem influenciar, desde o resultado de uma partida esportiva (Hill e Barton, 2005) até a impressão de um entrevistador sobre a sua capacidade de realizar um trabalho de forma eficaz (Forsythe, 2006), mas isso vai muito além de ser homem ou mulher.
Qual o papel das cores das roupas?
Para entender o impacto das cores das roupas, em um experimento, pesquisadores fotografaram pessoas com diferentes cores de roupas e pediram aos participantes que classificassem o quanto as pessoas eram atraentes nas fotos. Eles descobriram que a cor da roupa afeta principalmente a maneira pela qual os homens classificam a atratividade. Curiosamente, no entanto, a cor do vestuário não influenciou o julgamento das mulheres em relação a outras mulheres (Roberts et al, 2000).
Roberts e seus colegas pesquisadores descobriram que as roupas vermelhas tendem a levar os participantes a classificar os outros mais favoravelmente em termos de atratividade, em comparação a quando usavam roupas de outras cores.
Esse resultado pode explicar as descobertas de um estudo que apontou que, quando garçonetes num restaurante usavam camisas coloridas, os homens tendiam a deixar gorjetas mais altas para as que usavam camisas vermelhas do que aquelas com camisas de outras cores. No entanto, a cor da camisa não teve efeito nas gorjetas deixadas pelas clientes do sexo feminino (Guéguen e Jacob, 2010).
Qual a influência cultural?
Naturalmente, muitas das descobertas das pesquisas sobre a psicologia das escolhas de moda e vestuário estão sujeitas aos valores culturais da sociedade em que a pessoa vive. As diferenças culturais na interpretação da moda é uma variável importante que precisa ser compreendida dependendo de cada país.
Em reportagens da revista Vogue, Alexandersson (2017) examinou como diferentes culturas apresentam a moda entre diferentes países: EUA, Paris, Japão, Arábia, Índia e Brasil.
Os resultados indicaram que nos EUA a moda tem um padrão aberta em termos de tópicos atuais e diversidade de roupas, enquanto em Paris a cultura francesa é mostrada como andrógina e com uma expressão aberta à nudez. Já no Japão a expressão cultural foi caracterizada por roupas inovadoras e inspiradas no futurismo.
Na Arábia, ela é caracterizada pela modernização das roupas tradicionais árabes e hijabs, com contextos que refletem o poder feminino nos países árabes. Na Índia percebe-se a presença de roupas indianas tradicionais usadas em combinação com roupas ocidentais, principalmente coloridas.
No Brasil, por sua vez, a expressão da moda é caracterizada por modelos com poses sensuais e roupas que revelaram muita pele.
Com relação às cores, observou-se o uso do preto e cores escuras em Paris, enquanto na Arábia e na Índia existem uso de outras cores, como rosa, azul e vermelho. Nos EUA, Japão e Brasil, há uma mistura de preto, rosa, azul e outras cores.
Qual é a diferença entre um estilista e um psicólogo da moda?
Um estilista pode ajudar você a se vestir de acordo com o seu tipo físico, com o que está na moda, enquanto um psicólogo da moda o ajuda a estar de acordo com a sua personalidade, pensando no porquê de você se vestir de determinada maneira e como isso impacta no seu modo de ser. As roupas refletem o seu estado de espírito e as pessoas escolhem as roupas para se sentirem bem.
Como a moda pode criar conceitos de sustentabilidade?
Com relação ao consumo, assistimos frequentemente alguns grupos que gastam compulsivamente. Eles buscam o luxo, precisando mostrar que podem, que querem, que tem. Agem como se, sozinhos, não fossem ninguém, por isso precisam de uma marca que os defina.
O mundo moderno, no entanto, pede que a moda seja valorizada desde o design, passando por toda a cadeia de suprimentos, consumo, chegando até o descarte. Precisamos olhar para as variadas questões individuais, sociais e ambientais que resultam direta ou indiretamente das indústrias da moda. Mas o dia a dia da maioria dos consumidores não inclui preocupações com a sustentabilidade, por isso temos um grande desafio neste aspecto.
Atualmente, a tendência pede inteligência, consciência, responsabilidade e mudança. Consumir ganhou um novo sentido. Repensar o consumo da moda, com foco na sustentabilidade e no reuso com estilo e criatividade, além de tendência, é essencial.