Desde o desenvolvimento intrauterino o bebê é acompanhado, não apenas por seus pais, mas por diversos especialistas. Após o nascimento, durante o primeiro ano de vida, a criança é atendida com frequência em consultas com o pediatra, que tem como objetivo acompanhar o desenvolvimento infantil e monitorar o crescimento, por meio das curvas de peso, perímetro cefálico, estatura e marcos importantes e esperados para cada período da vida do bebê. Além disso, o pediatra observa o desenvolvimento da linguagem, motor, afetivo e cognitivo da criança, sinalizando aos pais o que estaria dentro ou fora do esperado para cada fase do desenvolvimento.
Os marcos do desenvolvimento infantil, são referências usadas para acompanhar o crescimento das crianças, que se encontram em intenso processo de maturação biológica, observados por meio do desenvolvimento social, psicológico e motor. É na primeira infância que o pediatra, os pais e educadores passam a perceber de forma mais sistemática os comportamentos da criança e o seu aprendizado, e fazem comparações com os pares, ou seja, com outras crianças da mesma idade.
Quais são os primeiros sinais que precisam ser observados nos primeiros anos de vida?
A aquisição motora é uma das primeiras a serem percebidas pelos pais, notando os movimentos, como: sentar, engatinhar e andar. Primariamente, são esses marcos que normalmente são levados aos pediatras como sinalizadores de que algo não está de acordo com o padrão de normalidade.
O desenvolvimento psicológico, da linguagem, social e cognitivo são mais complexos de avaliar, porque além de envolveram a relação com outro, precisam de um olhar especializado. Ao final do primeiro ano de vida, as crianças não têm uma linguagem expressiva oral tão estruturada a ponto de verbalizar seus aprendizados e angústias, mascarando alguns fatos importantes no desenvolvimento social, por exemplo.
Os atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor se caracterizam por respostas comportamentais desviantes ou atípicas, identificadas por sua frequência, duração e intensidade, quando comparados ao padrão normal de desenvolvimento.
Atrasos no desenvolvimento podem estar relacionados com diversos quadros clínicos precursores de problemas para a saúde mental, tais como os Transtornos do Desenvolvimento como: Deficiência Intelectual, Transtornos da Comunicação, Transtornos do Espectro Autista, Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, Transtorno Específico de Aprendizagem, Transtorno do Desenvolvimento da Linguagem e Transtornos motores (DSM-V, 2014).
Quais são os sinais típicos no desenvolvimento do bebê?
O bebê, por volta dos 3 meses, apresenta um amadurecimento neurológico observado pela diminuição das respostas reflexas. Surgem, então os movimentos voluntários, mesmo que descoordenados.
Cada vez mais minucioso, o desenvolvimento da percepção visual o impulsiona a perceber o que acontece ao seu redor. O bebê começa a se interessar mais pela face do cuidador, por sua movimentação no ambiente e pelos objetos que estão à sua volta. Surgem os movimentos voluntários na direção das coisas e o sorriso voltado para aquele que interage com ele. Intensifica-se a relação com o mundo, seu olhar passa não só a observar o outro, como suas ações. Não quer mais ficar sozinho nos ambientes, usa o choro para chamar o cuidador e se acalma quando este se aproxima.
O desenvolvimento motor da criança, aos poucos vai permitir deslocamentos, como o arrastar e engatinhar, em busca dos objetos que deseja manipular. Quando está diante de uma dificuldade, passa a solicitar a ajuda do adulto, ora pelo choro, ora pelo olhar, levantando os braços em sua direção para ser pego no colo. Olha nos olhos do cuidador, estabelecendo uma comunicação não verbal e começa um processo de imitar alguns movimentos e gestos.
Ao final do primeiro ano de vida, a maioria dos bebês já aprendeu a bater palma, a dar tchau, mandar beijo e a apontar os objetos que deseja. Com mais intencionalidade, os sons (balbucios) que faziam aleatoriamente já lembram palavras ensinadas pelos adultos, podendo assim, até usar algumas palavras de forma funcional como “mama”, “papa”, “dá”, “qué” “au, au” etc.
Apesar do restrito vocabulário oral, a criança deve compreender bem ordens simples, presentes em sua rotina, sem necessitar do apoio de gestos. Agora, adquire uma percepção maior de sua funcionalidade, mantendo maior atenção na exploração dos objetos e nas brincadeiras que compartilha com o adulto.
Demonstra maior interesse em interagir com os pares, prazer em estar com outras pessoas e aproxima-se de outras crianças.
Os atrasos no desenvolvimento são sinais importantes a serem identificados para mostrar que algo não está dentro da perspectiva típica para o desenvolvimento infantil.
Quais são os sinais de alerta?
Qualquer atraso na aquisição dos marcos do desenvolvimento podem ser sinais de alerta, tais como: não responder a sons altos, não acompanhar as coisas enquanto elas se movem, poucas expressões faciais, ausência ou redução do contato ocular, ausência de sorriso social e pouco engajamento sociocomunicativo. Dificuldades na troca de turno comunicativa, não faz sons, não balbucia “mama?/papa”, por exemplo, não olha quando chamado, não olha para onde o adulto aponta, não compartilha a atenção com um adulto, tem dificuldade na imitação, sendo pouca ou ausente. Demora muito para falar com intencionalidade, iniciar frases, pedir o que quer, não aponta o que quer, não sorri ou grita e não reage ao próprio nome.
Outro sinal importante é o bebê estar muito molinho, não sustenta a cabeça, apresenta dificuldades para sentar, engatinhar e andar. Não apresenta gestos convencionais (dar tchau, mandar beijo apontar objetos), não tenta pegar coisas que estão ao seu alcance, não responde aos sons ao seu redor.
Além da parte motora, pode-se observar dificuldade em manter uma atividade calma e tranquila, quando a criança parece não prestar atenção por muito tempo, troca muito de atividade, apresenta muita agitação, hiperatividade, é impulsiva, fazendo coisas sem pensar. Parece ter dificuldade de aprender conceitos e precisa de muita repetição.
O que devo fazer quando percebo que o desenvolvimento do meu filho (a) não está dentro do esperado?
Os sinais de alerta, ao serem percebidos pelos pais, professores e pediatra, mesmo que sutilmente, deve indicar que a criança precisa ser submetida, o quanto antes, a uma avaliação especializada, pois o diagnóstico precoce é fundamental para identificar falhas nas aquisições dos marcos do desenvolvimento,
Após a avaliação é recomendada uma série de intervenções que estimulam habilidades primordiais para a comunicação e para a aquisição de um repertório comportamental importante para o desenvolvimento da criança no mundo.
Nos primeiros anos o cérebro está em processo de amadurecimento e existe a intensa plasticidade neuronal, que são chamadas de “janelas de oportunidades”, a intervenção direciona os ganhos terapêuticos e a melhora é significativa no quadro geral da criança, aproveitando a maior capacidade de aprendizagem do cérebro.
Quanto mais estimularmos precocemente o desenvolvimento das crianças com atrasos, melhor observaremos os padrões típicos do desenvolvimento, evitando dificuldades secundárias, decorrentes dos déficits primários se instalarão no quadro.
Desta forma, sabe-se que quanto mais cedo se intervir, maiores são as chances da aquisição da linguagem oral, da adequação dos comportamentos e do desenvolvimento de habilidades sociais necessárias para uma adaptação global ao mundo.
O diagnóstico, ou ainda a suspeita diagnóstica levantada pela equipe multidisciplinar, apesar de dolorosa é o ponto de partida para as intervenções adequadas para a criança. As intervenções começam quando os pais, além de alertados, se conscientizam da importância do tratamento, e da parceria com os especialistas, pois eles deverão seguir as orientações e colocá-las em prática também em casa.
Quais são as possíveis intervenções?
A evolução das crianças com transtornos do desenvolvimento e? uma grande preocupação dos pais e familiares, aumentando a expectativa sobre os resultados conquistados.
Uma das intervenções é baseada cientificamente no método de Análise Aplicada do Comportamento, conhecida pela sigla ABA (do inglês Applied Behavior Analysis). De acordo com os princípios básicos do ABA, são necessários três componentes para a aprendizagem: primeiro, alguns estímulos devem servir como pista para que a criança responda; segundo, a criança deve emitir um comportamento imediatamente a seguir ao estímulo; terceiro, deve experimentar algum tipo de consequências para identificar o desempenho correto (Lovaas, 2002). Com o passar do tempo a criança irá emitir novos comportamentos com maior rapidez, frequência e facilidade em resposta ao estímulo e usar uma nova competência ou comportamento nos vários contextos. A intervenção requer atenção individual de um terapeuta treinado, sugerido sessões frequentes com 20 ou mais horas por semana, por um tempo prolongado e o estabelecimento de metas individualizadas com os pais como co-terapeutas.
Outra abordagem é a Disciplina Positiva, voltada para criar e ensinar crianças valores sociais e habilidades de vida que irão auxiliá-las a tomar decisões responsáveis. Ao contrário das abordagens tradicionais que usam consequências e recompensas para modelar um comportamento, a Disciplina Positiva oferece um conjunto complementar de ferramentas fundamentadas em respeito mútuo, compreensão empática e comunicação assertiva que as encoraja a resolver problemas.
Algumas intervenções concentram-se no contexto mais naturalista para aumentar a comunicação social e as habilidades emocionais, além da Disciplina Positiva, existe o Modelo de Denver de Início Precoce (ou ESDM, sigla para a expressão em inglês Early Start Denver Model).
É importante enfatizar que o uso de intervenções farmacológicas, devem ser pensadas apenas após a avaliação médica, tendo como objetivo amenizar sintomas secundários que a criança venha a ter. É consenso que o envolvimento da família é a melhor prática de intervenção precoce (National Research Council, 2001) sendo um componente essencial para o sucesso das intervenções. A orientação dos pais com foco na relação pais-criança afetam o nível e a qualidade do desenvolvimento da linguagem, interferem no progresso escolar, no desenvolvimento emocional e na qualidade das relações interpessoais (Steele e Steele, 1994).
Quais os profissionais podem realizar as intervenções precoces?
O Modelo de intervenção precoce, deve ser primariamente considerado como um modelo interdisciplinar em que a educação especial, a psicologia clínica e do desenvolvimento, o fonoaudiólogo, o terapeuta ocupacional, o pediatra, o neuropediatra, o psiquiatra infantil e a família trabalham em conjunto na planificação e orientação da intervenção.
A partir de uma equipe de pessoas qualificadas, a constante avaliação e reavaliação dos resultados devem ser cuidadosamente alinhados e projetados para assegurar a intervenção mais assertiva e significativa para o desenvolvimento da criança.
Referências:
– Benefícios da intervenção precoce na criança Autista- Revista Científica da FMC – Vol. 12, nº1, Julho de 2017
– Sally J, Rogers; Geraldine Dawson. Intervenção precoce em crianças com Autismo. Ed. Lidel, 2014, Portugal.
– Helen Bee, Denise Boyd, Cristina Monteiro. A Criança em Desenvolvimento. Ed. Artmed, 2011
– Mecca, TP; Rossi, DAMA; Macedo, EC. Desenvolvimento da inteligência em pré-escolares: implicações para a aprendizagem. Psicopedagogia (São Paulo), v. 29, p. 66-73, 2012.
– Nelsen, Foster, Raphael. Disciplina Positiva para crianças com deficiência. Ed. Manole, 2019.
– https://autismoerealidade.org.br/2020/11/25/a-importancia-do-diagnostico-e-intervencao-precoce-no-autismo.