As lesões cerebrais podem causar diferentes tipos de problemas atencionais? Maria Alice Fontes

Os sintomas mais comuns de lesões cerebrais (LC) são os problemas atencionais.

Mesmo os mais leves perduram a longo prazo, estando relacionados a baixos níveis de desempenho nas pessoas que sofreram essas lesões.

Os pacientes com LCs relatam incapacidade de filtrar estímulos, baixo nível de concentração, incapacidade para responder a mais do que estímulo ao mesmo tempo e de filtrar estímulos externos irrelevantes, além de esquecimento.

Tais alterações impactam muito a vida de uma pessoa, pois ela não consegue se adaptar bem a novas situações.

Em vista disso, para estudarmos esses impactos, é necessário que possuamos uma clara compreensão sobre o que é a atenção, a fim de que entendamos seus mecanismos.

Modelos de Atenção

Há vários modelos teóricos que definem a atenção. Entretanto, há fatores que estão presentes em todas as teorias, como o período de vigilância, que é a pessoa prestar atenção em uma coisa por determinado período, a capacidade de adquirir informações novas, a mudança de atenção e a capacidade de não prestar atenção em coisas não relevantes.

Outro conceito bastante relevante é o de memória de trabalho, que é uma série de processos de armazenamento e recuperação de informação. Por meio dela, podemos manter informações relevantes por curtos períodos de tempo, enquanto são necessárias, sendo possível desviar nossa atenção temporariamente para outras coisas e mesmo assim manter a informação guardada. Ou seja, por meio dela uma pessoa pode fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo.

Ela está associada a processos controlados de decodificação, estratégias de recuperação e decisão.

Desse modo, a memória de trabalho não está envolvida somente com o armazenamento e recuperação de informação, mas também com a sua manipulação para realização de tarefas. Ela está relacionada a um constructo chamado executivo central, com ele também interligado ao armazenamento da memória a longo prazo, a temporária e com o armazenamento ativo da informação.

As bases neuroanatômicas para esses componentes têm sido motivo de discussão na comunidade científica.

Posner e colaboradores (1990), descreveram um modelo de atenção integrado por três circuitos neurofuncionais, relacionados entre si, que controlam as funções atencionais.

Duas dessas redes, a rede de vigilância e a rede de controle executivo, estão localizadas
pelo córtex cerebral anterior. Já a rede de orientação está distribuída pelas regiões posteriores do córtex cerebral.

A rede atencional de orientação trabalha na seleção de informação sensorial e sustenta a atenção visuoespacial. Esta rede faz tarefas de procura de um estímulo em particular em um ambiente com distrações, assim como a identificação de localização espacial.

Estão envolvidos nesse processo no cérebro o córtex parietal posterior, o colículo superior e o núcleo pulvinar do tálamo.

A rede de vigilância ou alerta é encarregada de manter um alerta geral preparatório, estando intimamente relacionada ao sistema reticular, conexões com o tálamo, sistema límbico, núcleos cinzentos e da base e lóbulo frontal.

A rede de controle executivo é responsável pela seletividade atencional, iniciação e inibição da resposta que depende das regiões pré-frontais e controle de ação.

Ela exerce o controle voluntário no processamento de informação em situações que são novas e precisam do uso de estratégias e elaboração de respostas novas.

O melhor modelo funcional da atenção é aquele que analisa o desempenho cognitivo em tarefas experimentais e erros em testes de avaliação, além de avaliar preocupações do paciente com lesão cerebral.

Por meio desse modelo, a natureza das alterações cognitivas, juntamente com seu impacto na vida quotidiana, organização efetiva e seus componentes preservados tem sido objeto de estudo para que sejam desenvolvidos novos tratamentos para reabilitação desses pacientes.

Tipos de atenção

Atenção focalizada: refere-se a capacidade prestar atenção somente em uma única fonte de informação, ignorando outros, sejam eles estímulos tácteis, auditivos ou visuais.

Apesar de ser prejudicada nas LCs, os pacientes costumam conseguir recuperar essa capacidade.

Atenção mantida ou sustentada: Envolve a capacidade de se manter uma resposta comportamental por um longo período de tempo.

É comum que pacientes com LC tenham dificuldades em se manter concentrados em um único estímulo por longos períodos.

Atenção seletiva: diz-se da capacidade de concentração em um estímulo inibindo estímulos distratores.

A distrabilidade é notável em pacientes com lesão frontal , sendo que eles precisam se esforçar muito para não se distrair com estímulos irrelevantes, sejam eles internos ou externos.

Atenção alternada: refere-se a capacidade de flexibilização mental, a qual permite mudar nosso foco atencional, para que tarefas com controle de informação e diferentes requisitos cognitivos sejam feitas.

Muitos pacientes que sofreram LCs têm dificuldade em parar uma tarefa para fazer outra, e, depois,voltar a fazer o que estava fazendo.

Atenção dividida: refere-se a habilidade de fazer múltiplas tarefas ou múltiplas exigências de uma única tarefa.

Para isso, é preciso manter a atenção em mais de uma coisa ao mesmo tempo, com monitoramento de duas ou mais tarefas e diferentes respostas comportamentais.

Avaliação Neuropsicológica da Atenção

A avaliação da atenção faz parte do início da reabilitação de pacientes que sofreram LCs. Mas, para tratar de problemas atencionais, é necessária uma ampla avaliação cognitiva.

Nessa avaliação, é feita uma descrição cognitiva para cada indivíduo, indicando a capacidade funcional de cada um. Assim, é possível estabelecer uma linha evolutiva para futuras comparações, além de ajudar na identificação das capacidades mais afetadas pela LC.

Muitos estudos apontam para intervenções/tratamentos que se foquem em um tipo de atenção específica, a qual,para ser identificada, precisaria de um longo estudo do paciente para saber que intervenção seria feita.

Assim, vários estudos apontam para maior efetividade na intervenção específica dos processos alterados em cada paciente, sendo para tal necessário uma avaliação exaustiva que permita delimitar adequadamente os objetivos da reabilitação de acordo com os componentes alterados.

Contudo, é muito complicado tentar separar os componentes atencionais, já que o ser humano não funciona em partes, mas sim com todos os seus componentes funcionando ao mesmo tempo. Entretanto,há o contraponto de que a natureza dos déficits causados pelas lesões cerebrais exigem diferentes tratamentos.

Umas das bases do tratamento é a estimular o processo atencional lesionado, para que ele possa ser “treinado”. Assim, pouco a pouco as tarefas de estimulação vão evoluindo, se tornando mais complexas.

Contudo, ainda é muito complicado falar de resultados, pois eles variam muito de paciente para paciente.

Compensação das Dificuldades Atencionais

O objetivo da intervenção neuropsicológica é a adaptação funcional, em que a pessoa treina e afina suas habilidades.

No entanto, este não é o único meio para recuperar as funções cognitivas.

A identificação de estratégias compensatórias também pode diminuir as dificuldades de atenção, reduzindo a realização de tarefas.

A sua utilização é feita por meio de estabelecimento de rotinas que eliminam distrações e ajudam no cumprimento de seu objetivo.

Isso é essencial para pacientes com LC, pois é comum que eles precisem se esforçar para realizarem tarefas que antes eram automáticas.

Usar, por exemplo, auto-instruções, anotações e gravações auxiliam a controlar distrações, melhorando a atenção sustentada.


Referências:

ANDRADE, Almir Ferreira de et al . Mecanismos de lesão cerebral no traumatismo cranioencefálico. Rev. Assoc. Med. Bras., São Paulo, v. 55, n. 1, p. 75-81, 2009. Available from https://doi.org/10.1590/S0104-42302009000100020.